Brasília, 6 de janeiro de 2021.
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Começo de ano. Sem poder viajar para visitar a família, com medo de levar a eles o temido coronavírus, minha mulher e eu decidimos passar uma semana em Pirenópolis. Alugamos um loft e o plano era chegar na cidade no final da tarde de quarta-feira, mas cabeça de ciclista raciocina diferente: “Por que ir de carro se eu posso ir de bicicleta?”
Conversa vai, conversa vem, convida um, convida outro, um confirma, outro também, um desiste, outro mantém. Assim, a pedalada que solitária seria, teve a adesão de Alexandre Sales.
Quarta-feira às 4h30 da madrugada, Alexandre chegou em minha casa. Comemos batatas-doces e ovos cozidos para dar energia para as primeiras horas de pedal e partimos às 5 horas da matina.
Cruzamos Águas Claras, Taguatinga e Samambaia antes de entrar na terra alguns quilômetros depois do entroncamento da BR-060 com a DF-180.
Seguimos pela área ocupada por movimentos de trabalhadores sem-terra e sem-teto que tomaram conta dessa região. Já são três acampamentos que crescem e espalham-se pela área. O Governo do Distrito Federal assiste a expansão de braços cruzados. A ocupação do solo ocorre sem planejamento, sem infraestrutura. O meio-ambiente sofre com o lixo descartado em qualquer lugar e com o esgoto sem tratamento. Na próxima eleição, demagogos candidatos, como Ibaneis Rocha e o finado Joaquim Roriz, só para dar alguns exemplos, passarão por lá e prometerão a regularização das moradias. Assim, nossa cidade vai crescendo sem ordenamento nenhum, sem planejamento, com trânsito cada vez pior, com mananciais poluídos, clima agreste e qualidade de vida decrescente. Uma vergonha para a Capital do País.
As estradas de terra nos conduziram à DF-280, ao setor Água Quente. Pegamos o asfalto no sentido de Santo Antônio do Descoberto. Pedalávamos despreocupados, lado a lado, conversando assuntos banais, quando começamos a ser bombardeados por insetos. Eu via vários pontinhos pretos vindo em minha direção e ouvia o som dos bichos batendo em meu capacete. Alexandre percebeu que eram abelhas quando levou a primeira ferroada: “Tome cuidado pois são abelhas!” Felizmente, passamos pelas bordas do enxame que atravessava a pista, e poucos insetos nos atingiram.
Continuamos pedalando até cruzar o Rio Descoberto, sair do Distrito Federal e chegar a Santo Antônio. Paramos na padaria Dois Irmãos para conferir as picadas que levamos e para tomar café. Levamos uma ferroada cada.

Café tomado, voltamos a pedalar. Cruzamos Santo Antônio e seguimos pela GO-225 até o início da estrada que segue para o Rio Areias.
Subimos a chapada e pedalamos pelo alto por sete quilômetros, até começar a descer para cruzar o Areias.

Quando começamos a descer, enfrentei outro enxame, um bando na verdade, de periquitos. Eles estavam sentados nos galhos de um arbusto ao lado da estrada e quando perceberam nossa chegada, saíram voando pela estrada. Foi uma experiência interessante voar dentro do bando de verdinhos.
Cruzamos o Rio Areias. Ele estava bem cheio e com águas turvas características dessa época do ano. O vale do Areias foi um dos maiores desafios do percurso: duzentos metros de ascensão em seis quilômetros. Apesar de ainda ser cedo, o calor era forte. Foi uma suada escalada.
No alto, depois de margear área de pastagem, cruzamos lavoura de soja. A estrada estava cheia de poças d’água.

Ao chegarmos a uma estrada perpendicular à direção que seguíamos, segui à direita. Alexandre vinha a cerca de dez metros atrás de mim, mas como estava desviando das poças, não viu para onde fui. Voltei quando percebi que ele havia sumido.
Alexandre não estava no entroncamento, nem na estrada por onde viemos. Ele fez o que eu mais temia: desceu o profundo vale do Córrego do Valério. 😖 Fui atrás dele. Quando comecei a descer, lentamente e em silêncio, um animal cruzou a estrada cerca de cinco metros à minha frente. Era um bicho de pelagem escura, de pequeno porte, aparentava ser felino, um pouco maior que um gato doméstico. Imagino que era um jaguarundi (felino), ou uma irara (que não é felino, mas é bem parecida).
Irara Jaguarundi ou Gato Mourisco
Fui descendo e encontrei Alexandre próximo ao ribeirão, já voltando, pois informou-se com um sitiante de que eu não havia passado por lá. Erro fatal! Um quilômetro de descida e outro de subida com 12% de inclinação.
Subimos de volta e seguimos por belos trechos de cerrado até Aparecidinha de Loyola.
Paramos no mercadinho do povoado para lanchar. Eu pensei em comer alguns salgados, mas, quando cheguei, o atendente avisou que só vende salgados aos sábados. Tivemos que nos contentar com biscoitos e bebidas. Aproveitamos a parada para tirar um cochilo, deitados nos bancos em frente ao mercado.
Às 11h30 retomamos o pedal. Logo na saída de Aparecidinha, pegamos estrada à direita. Cruzamos o Ribeirão Ponte Alta, profunda passagem sobre ponte, ladeada por floresta ciliar. Percorremos dezesseis quilômetros entre fazendas até chegar a Morrinhos, outra comunidade rural. Paramos no primeiro bar da vila, onde tomamos refrigerantes para aliviar o calor. Dentro do bar estava muito quente, e fora não havia uma sombra sequer para nos proteger do sol. Ao saber que Alexandre nasceu em Fortaleza, a dona do bar comentou: “Gosto muito de Fortaleza. Meu sonho é conhecer a Bahia.” Eu acho que ela confundiu-se. Ou não? 🤔 A solução vai depender da banca avaliadora. Se for a Cesgranrio, ela confundiu-se. Se for a FGV, vão anular a questão. Se for o CESPE-UNB, ela não confundiu-se, pois tratam-se de períodos diferentes.
Terminadas as divagações, partimos e logo de cara subimos o Morro do Cocal. Pegamos alguns carreadores e enfrentamos a famosa Quatro-por-Quatro, subida de chapada bem íngreme e cheia de pedregulhos soltos. O ciclista tem que ser muito bom pra subir aquilo pedalando. Eu não sou bom o suficiente, nunca fui. Mais uma vez subi empurrando. São apenas trezentos metros.
No alto, a Serra do Quilombo foi nosso caminho para o oeste. É um dos pontos altos desse roteiro, área selvagem, alto de chapada cheio de campos limpos e sujos, com água vertendo para todos os lados.

Depois de pedalar por quatro quilômetros pelas arenosas estradas do alto da chapada, descemos o vale do Córrego Mata Gado, até passar pelas cabeceiras de suas nascentes. Dali, subimos a Serra do Bicame e seguimos por seis quilômetros até enfim começarmos a descer para Cocalzinho de Goiás, onde chegamos às 14h30, depois de cruzar os córregos Bicame e Cocalzinho.

Paramos na Distribuidora de Bebidas Oliveira para lanchar. Há alguns anos, eles serviam um dos melhores discos de carne que eu já comi, mas acho que eles trocaram de fornecedor. Agora, nem disco mais é, são apenas bolinhos mal feitos e secos. Mas era o que tinha para comer.

Alexandre, bem cansado, já estava caçando uma carona, e antes que ele conseguisse, partimos pelo caminho menos difícil até Pirenópolis. Saímos de Cocalzinho pela BR-070 e pegamos o caminho do Pico dos Pirineus. É subida difícil, de três quilômetros, com 5% de inclinação média. Na entrada do parque, onde há uma guarita, encontrei dupla de caminhantes. Adalberto Muniz (https://www.instagram.com/betomuniz65) e Ricardo Brivio (https://www.instagram.com/ricardo.brivio) faziam o Caminho de Cora Coralina. Alexandre não estava para conversa e continuou subindo. Eu fiquei batendo papo por cerca de 30 minutos com os novos amigos, até que eles partiram para Cocalzinho, onde pernoitariam.

Eu continuei subindo, atravessei uma pequena mata e encontrei Alexandre esperando-me no final da subida, na entrada dos picos. Eu pensei que ele já estava em Piri, mas, como não sabia o caminho, teve que me esperar. Coitado! Judiei do bichinho! Seguimos pela estrada que corta o Parque Estadual dos Pirineus, passamos pelo Mirante do Ventilador, onde paramos para fazer algumas fotos.

Depois, foi só pegar a descida da serra, uma ladeira de seis vertiginosos quilômetros. O ponto mais alto que alcançamos no dia foi dentro do Parque dos Pirineus, 1.335 metros de altitude, e o ponto mais baixo no Córrego José Leite, no limite urbano de Pirenópolis, 786 metros de altitude.
Chegamos! Despedi-me de Alexandre logo que entrei na cidade pois meu pouso era naquela área.
Mais uma aventura pro currículo. No total, foram 145 quilômetros de pedal com 1.893 metros de subida. Alexandre tinha bons motivos para estar cansado.
Ainda bem que admite ter judiado do Alexandre kkkk!Quanto ao comentário feito no início do texto contra Ibaneis Rocha, é melhor escolhermos mais em quem votamos.
Vocês são dois aventureiros! Parabéns pela dedicação! Sempre tive vontade de ir a Pirinópolis de bicicleta! Um abraço!
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Que bacana, Evandro.
Iniciei no pedal a pouco tempo. Espero um dia fazer esse percurso Brasília/Pirenópolis.
Parabéns pelo blog e pela história.
Que Deus abençoe.
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