por Evandro Torezan
Sertão é o jeito carinhoso que os munícipes chamam Sertanópolis. Apesar do nome, esta cidade paranaense não é um lugar árido. O “sertão” de seu nome refere-se à escassez populacional e à distância de centros urbanos quando o território foi ocupado. Sertanópolis, quando chegaram os primeiros colonizadores, era digna do nome. Fincada no meio da densa floresta do Norte do Paraná, era território selvagem habitado por índios isolados. O livro A pensão da Procópia, de Luiz Augusto Loredo, traz interessantes informações sobre a formação do município. Segundo o agrimensor francês Ludovico Surjus, a floresta da região era “o maior perobal da história”. Para quem não sabe, a peroba rosa é um colosso vegetal que pode passar de trinta metros de altura, com tronco de um metro de diâmetro. Os exemplares adultos eram os soberanos da floresta, as árvores mais altas da região, que ainda hoje podem ser (raramente) vistas em algumas matas remanescentes.
No local em que hoje fica o cruzamento da Rua Padre Jonas Vaz Santos com a Rua Espírito Santo foi aberta a primeira quadra da cidade. Imagine como era:
“Por onde olhava, o que via era a mata, as perobas formando uma muralha assustadora ao redor da pequena clareira. A Taboca era água limpa e clara, cheia de peixes.” Loredo, Luiz Augusto. A pensão da Procópia.
E não foi por acaso que a primeira quadra foi ali aberta. O local era o entroncamento de duas picadas que constituíam as únicas vias de acesso à região nos anos 1920. Na época havia uma picada saindo da região de Presidente Prudente e chegando ao lugar no qual se fundou o patrimônio Três Bocas, depois Londrina. Essa picada era chamada de “Corredor”. No quilômetro 33 do corredor, abriram uma picada rumo leste até encontrar o Tibagi. No meio do caminho, cruzaram outra picada, que os índios tinham feito para chegar a Frei Timóteo (município de Jataizinho). Pois no entroncamento dessas picadas nasceu Sertanópolis. A Rua Padre Jonas era a picada dos índios e a Rua Espírito Santo é a que ligava o Corredor ao Tibagi.
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Sertanópolis, 22 de dezembro de 2019
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Fui para Sertanópolis visitar a família. Aproveitei, é claro, para pedalar pela região. Meu primeiro giro foi com minha irmã Héllen, meu cunhado Joás Moreira e os amigos Marcos e Adriana. Saímos às 5h de Sertanópolis, ainda no escuro. Reunimo-nos em frente à prefeitura da cidade e seguimos pela rodovia PR-090 até Bela Vista do Paraíso.

Chuviscou bem fino antes de clarear. O sol apareceu por volta das 5h40, entre nuvens, e fez seu espetáculo matinal enquanto escalávamos a grande subida de seis quilômetros que leva a Bela Vista.

Paramos num posto de gasolina para a turma tomar café da manhã. Eu alimentei-me antes de sair e não comi nada. Já havíamos rodado 19 km.
Sem perder muito tempo, cruzamos a cidade e pegamos a rodovia PR-445. Depois de rodar oito quilômetros pelo asfalto, entramos à direita numa estrada de terra que nos levou a um dos locais mais altos da região, o Morro do Cruzeiro ou Morro do Macuco.

Do Cruzeiro até Sertanópolis foi moleza. A estrada acompanha o Córrego Água Morena e depois o Ribeirão do Cerne, quase sempre descendo. No final, a menos de três quilômetros do asfalto, a lama tomava conta da estrada mas foi possível pedalar. O trecho de lama continuou até o asfalto. Chegamos à rodovia PR-323 por onde seguimos de volta a Sertanópolis.
Chegamos tão cedo que até subimos a PR-090, sentido Ibiporã, até o alto do vale do Córrego Água da Taboca para completar cinquenta quilômetros. No final, foram 52 km com 894 m de subida.
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Sertanópolis, 23 de dezembro de 2019
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O segundo giro no Sertão foi a convite do amigo Ângelo Souza.

Saímos às 17h rumo ao Cruzeiro, com a missão de voltar ainda de dia para casa. Saímos da cidade pela rodovia PR-323 e entramos na estrada de terra que leva ao Cruzeiro. Como fizemos o percurso contrário ao do dia anterior, subimos muito. Se contarmos desde o Ribeirão do Cerne, temos 342 m de ascensão em 9,6 km de distância.
Fiz algumas fotos lá no alto e seguimos para Bela Vista.

No caminho, encontramos vários ciclistas de Bela Vista. O MTB cresceu muito no país. Nunca imaginei que Sertanópolis teria tantos ciclistas como tem agora. E como a demanda gera negócios, Sertanópolis tem agora uma boa loja de de bicicletas, a Geração Bikes, com bicicletas de primeira linha à disposição dos atletas da cidade.
Para chegar a Bela Vista, pegamos a rodovia PR-445. Cruzamos a cidade de Bela Vista e continuamos pela PR-445 no sentido da Warta, distrito da cidade de Londrina. Saindo da cidade, seguimos por seis quilômetros pelo asfalto. Trecho muito ruim para ciclistas. A pista é de mão dupla, tem muito movimento e o acostamento está coberto de mato, então fica difícil pedalar com segurança. A opção é seguir pela pista enquanto não há carros passando e ir para o meio do mato quando eles passam. Ao final dos seis quilômetros, entramos à esquerda no distrito rural Água do Meio.
Tudo que subimos pela Estrada do Cruzeiro, descemos por esse outro caminho. São praticamente dez quilômetros de descida ininterrupta, acompanhando o Córrego Água do Meio. Essa estrada termina quando se cruza o Ribeirão Mombuca, e começa a Estrada da Mombuca. Subimos um pouco, passamos pela pedreira municipal de Sertanópolis e seguimos para a cidade.
Foram 48 km de pedal com 764 m de subida acumulada.
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Sertanópolis, 27 de dezembro de 2019
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Vendo as fotos tiradas no dia 23, fiquei imaginando como seria lindo o nascer do sol visto do alto do Cruzeiro. Fiquei fazendo planos para chegar lá no momento exato em que o sol despontasse no horizonte. Eu deveria estar no alto do morro às 5h37. Calculei que se saísse da casa de meus pais às 4h40, teria tempo de sobra.
Mas aí, comecei a pensar nos problemas que enfrentaria. Problema 1: teria que pedalar no escuro pela estrada de terra, sem iluminação pública e sem lanterna. Problema 2: a zona rural de Sertanópolis tem mais cachorro do que gente, sendo muito comum ter que correr deles durante os pedais na cidade, assim, surpreendendo-os ainda de noite, eles poderiam estar mais bravos do que o normal e eu não enxergaria a estrada com tanta precisão para poder fugir.
Assim, pesando prós e contras, fui vencido pela preguiça e não fui no dia 26, mas quando acordei, ficou aquele sentimento de “deveria ter ido”. No dia 27, coloquei o despertador para as 4h. Queria sair às 4h40, mas enrolei-me e acabei saindo às 5h. Segui acelerado. O problema da escuridão foi minimizado pois, como saí mais tarde, o clarão da aurora já iluminava o caminho.
Saí da cidade e entrei na Estrada do Cruzeiro. Os cães, minha outra preocupação, ainda não tinham começado o expediente. Quando cheguei ao pé do Morro do Cruzeiro, os primeiros raios de sol do dia iluminaram meu rosto. Não consegui – pensei comigo. Escalei o morro e quando cheguei ao alto, lá estava o solzão brilhando baixo ainda, posando pra foto.

Armei o tripé e fiz todas as fotos que pude. Que visual!

Quem não conhece o potencial turístico da cidade dirá que não é Sertanópolis, kkkk, pura inveja dos munícipes das cidades vizinhas. 🙂

Ainda eram 6h da manhã. Voltar para casa tão cedo, nem pensar. Segui pelo meio dos eucaliptos do alto do Cruzeiro para ver para onde a estrada iria. Quando o horizonte abriu, vi que ela seguia para o norte, mas como não conhecia a área, decidi voltar. Segui, então, por sete quilômetros pela estrada de terra, até alcançar a PR-445, e segui por ela rumo a Primeiro de Maio.
A primeira povoação que passei pelo caminho foi a Vila Gandhi, distrito rural de Primeiro de Maio de nome curioso (Alguém sabe a origem desse nome?) cuja idade é revelada pela arquitetura de suas construções. O lugar é tão alto quanto o Cruzeiro. Vila Gandhi deve ter idade semelhante à das cidades da região.

De Vila Gandhi a Primeiro de Maio são quinze quilômetros de asfalto, predominantemente de descidas, mas com subidas fortes pelo caminho.
Passei por Primeiro de Maio sem entrar na cidade. Segui pela rodovia PR-437 rumo a Sertanópolis. Parei apenas sobre a ponte que cruza o Ribeirão do Jacu, que foi inundado pelas águas da Represa Capivara, para fotografar.
Pelo caminho até Sertanópolis, fui observando as lavouras de soja. O Norte do Paraná abriga muitas lavouras e o meio ambiente sempre sofreu muito com a agricultura que ocupou o espaço antes ocupado pela frondosa floresta. Tudo começou com o café que rapidamente tornou-se o maior produto agrícola do Paraná, mas intensas geadas na década de 1970 e 1980 destruíram os cafezais e forçaram os agricultores a trocarem de cultura para sobreviver. A floresta freava o avanço das frentes frias e protegia os cafezais, mas com a destruição sistemática da mata, a geada pode avançar livremente e inviabilizou o plantio de café. O trio soja, milho e trigo substituiu os cafezais. Foi uma substituição acertada. São culturas de crescimento rápido que permitem duas safras por ano: milho ou soja no verão, milho ou trigo no inverno.
A legislação ambiental nunca foi integralmente obedecida nesses rincões de agricultura intensiva. É um deserto verde, enormes áreas onde existe apenas uma espécie vegetal. Pouco se vê da reserva legal (20% da propriedade rural que deve preservar floresta nativa) e as áreas de preservação permanente (APPs) nem sempre são respeitadas (matas ciliares, nascentes, encostas, topos de morros e montanhas, etc).

Assim, muito solo é carreado pelas chuvas e levado pelos rios, gerando assoreamento dos cursos d’água e, principalmente, perda de solo, que pode ser irreversível em algumas áreas. Já vi áreas que o solo foi removido até a base rochosa. Foi a destruição sistemática da floresta que abriu caminho para que as geadas chegassem com força total ao Norte do Paraná, e agora é a seca que ameaça a agricultura paranaense. É bom lembrar que floresta atrai umidade, protege os cursos d’água e diminui a temperatura atmosférica. #ficaadica
Há soluções. Veja o que fez o suíço Ernst Gotsch, que criou o sistema de cultivo chamado agricultura sintrópica: https://globoplay.globo.com/v/6057740/
Cheguei a Ibiaci. A rodovia faz fechadas curvas ao chegar ao distrito e sempre ocorrem acidentes. Perdi muitos amigos naquelas curvas. Não sei porque, até hoje não fizeram obras para remediar o problema. Quebra-molas em série e outros tipos de redutores de velocidade poderiam salvar muitas vidas.
Logo depois, entrei no território sertanopolense e alcancei o distrito rural Água das Sete Ilhas.

Além da bela Capela de Santo Antônio, o bairro abriga uma construção que pode ter sido inspiração para um clássico da música sertaneja. A casa de madeira é uma das vendas mais antigas de Sertanópolis/PR.

Ela fica na margem da rodovia PR-437, no bairro rural Água das Sete Ilhas. Leonildo Sachi, o Léo Canhoto, viveu por alguns anos nesse bairro. Ele é o autor da música Vou tomá um pingão. No município, dizem ser essa vendinha a citada na canção que já foi gravada por inúmeros cantores.
Ô, vida amargurada
Quanta dor que sinto
Nesse momento em meu coração
Ô, que saudade dela
Não aguento mais
Vou lá na vendinha
Vou tomá um pingão

Sóbrio, continuei pela rodovia e enfrentei as últimas longas subidas do dia antes de chegar à PR-323, por onde segui até Sertanópolis.
O pedal despretensioso para ver o nascer do sol rendeu 65 km com mil metros de subida.
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Sertanópolis, 29 de dezembro de 2019
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E para fechar com chave de ouro meus pedais pelo Norte do Paraná, minha irmã convidou-me para pedalar até Ibiporã e comer pastel na feira. Ciclista tem cada ideia!
O ponto de partida, no domingo de manhã, foi em frente ao mercado de meu pai, o Mercado Torezan, às 5h.

Quem entrou na aventura foram Héllen (minha irmã), Joás (meu cunhado), Regiane Matesco, Eliane Garcia e eu. Mais uma vez, partimos no escuro. Saímos da cidade pela PR-090, sentido Ibiporã. No alto do vale do Córrego Água da Taboca, entramos à direita. Presenciamos o nascer do sol às 5h37.

Seguimos quase paralelos à rodovia, mas longe do trânsito, em meio a lavouras, cruzando uma série de rios: Ribeirão Couro do Boi, Ribeirão dos Cágados, Ribeirão das Abóboras.
A turma conhece bem a região, inclusive os sítios que têm cachorros bravos. É fácil saber que o próximo sítio tem cães: é só observar a velocidade das meninas, que aceleram, deixando os homens como iscas para os animais.
Pelo caminho, nos quadradinhos de mata conhecidos como reserva legal, quando existem, é muito difícil encontrar uma grande peroba. Perobas jovens até existem, mas as centenárias senhoras da floresta são raríssimas. O que se vê são recortes de floresta, matinhas agonizantes, de onde as madeiras nobres foram retiradas, sufocadas por teias de trepadeiras.
Passado o Ribeirão das Abóboras, eis que surgiu no horizonte o Morro do Guarani, o ponto culminante do município de Ibiporã. É um lugar marcante que está até retratado na bandeira do município, inclusive com sua cruz. Fazia um tempo que eu queria conhecer o Guarani e não poderia passar ao seu lado sem o escalar.

Ao lado da estrada que o tangencia, em seu lado menos íngreme, uma estradinha cheia de pedras soltas sobe até o cume. Segui pedalando até o alto junto com Joás. Héllen e Regiane subiram a pé e Elaine preferiu ficar esperando na estrada. Há uma cruz no alto, feita com grossas toras de eucalipto.

O morro é coberto de capim, mas nem gado tem lá, não poderia o proprietário reflorestá-lo? Poxa! No alto, meia dúzia de eucaliptos, a maioria mortos. Talvez tenham sido vítimas de queimadas do capim do morro em épocas de seca. Do alto, avista-se Ibiporã, Londrina, Cambé, Warta.

Com o Guarani conhecido e fotografado, seguimos nosso caminho até Ibiporã. Cruzamos o Ribeirão Jacutinga, depois o Ribeirão Ibiporã e entramos na área urbana cruzando uma ponte sobre a PR-862, o Contorno Norte de Ibiporã.

Seguimos direto para o centro, até o entroncamento da Avenida Souza Naves com a Avenida Paraná, onde acontece a feira nos domingos de manhã.
Paramos na primeira barraca e comemos pastéis com caldo de cana.
Pastéis comidos, contas pagas, iniciamos o retorno para casa. Saímos da cidade pelo nordeste, passando pela lateral do pequeno Parque Estadual de Ibiporã (Horto Florestal).

Depois dele, cruzamos novamente o Contorno Norte em outro ponto e seguimos pela estrada de uma usina de asfalto. Cruzamos o Ribeirão Jacutinga, depois o Ribeirão do Sabão. Cruzamos a rodovia PR-090 próximo à Vila Rural Taquara do Reino, e continuamos o pedal pela estrada de terra do outro lado. Logo passamos pelo Ribeirão das Abóboras e reencontramos o caminho que havíamos percorrido na ida.
Aí começamos a enxergar, ao longe, um outro grupo de ciclistas. Era o grupo da Geração Bikes. Só os alcançamos no final da estrada de chão, na rodovia PR-090. Antigamente era muito difícil encontrar alguém para pedalar na cidade, tanto que, por muitos anos, quando eu morava lá, quem pedalava era meu cunhado Joás, meu amigo Edenilson (Gordinho) e eu. Era quase impossível formar um grupo. Hoje, por onde se passa há rastros de pneu de bike. Tem até uma prova, o Desafio MTB Sertão, realizada anualmente pelo grupo MTB Sertão, do meu amigo Ângelo Souza.
Dali, foi só descer até Sertanópolis e concluir o pedal. Foi muito legal conhecer o Morro do Guarani. Pedalamos 63 km e subimos 1189 m.
Valeu, turma do Sertão!
Sempre bom pedalar nao é mesmo Evandro? Mas na cidade natal tem um gosto nostálgico.
E que coincidência, nesse mesmo dia eu tbm saí cedinho pra um pedal solo na fazenda. Acho que geminiano não aguenta ficar parado…rsrs
Belas fotos!
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Não sei se é o signo, mas ficar parado me cansa. Kkk. Povo doido. 😜
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Belas fotos, Evandro! Um lugar bem diferente do nosso cerrado, certamente. Lamentável é a situação ambiental dos nossos estados, muito bem descrita no seu relato. Abração!
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Bacana Evandro fazer alguns giros pela terra natal, eu também fico me perguntando; onde está a árvore símbolo do estado? As majestosas araucárias.
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