Brasília, 14 de setembro de 2013
* Fotos de Renato Araújo Alves, Wilmar Castro, José de Oliveira Júnior, Daniel Rosa, Mari Rodrigues, David Patrick, Fabiano Alves, Sílvio Sá, Diogo Santos, Eldenice Rocha, Cecília Heinen e Fábio Malaguti
https://www.gpsies.com/map.do?fileId=nvbvehybgyvqidpd
Senta que lá vem história …
Nove de março de 2011. O que tem a ver essa data com nossa trilha? Foi nesse dia, cerca de dois meses antes de o Pedáguas nascer, que eu dei a primeira olhada nesta área fantástica do 6º GLMF-CIF. Eu fiz o primeiro mapeamento pelo Google Maps que registrou a data. Aliás, se fizéssemos a trilha que mapeei naquela época, teríamos literalmente explodido ao passar pelas áreas de alvo, que eu nem imaginava que existiam e que eu inclui no trajeto.
Mas num belo dia de pedal em Formosa, já no carro, voltando para Brasília, comentei com o amigo Alexandre Vilela sobre minha vontade de pedalar naquela área que avistávamos pela janela. Tenente do Exército, Alexandre entusiasmou-se. Logo marcou uma reunião e, alguns meses depois, voltamos a Formosa para visitar o Campo de Instrução. Quem nos recebeu foi o Tenente Coronel Oliveira, o responsável pela área, que acolheu com entusiasmo nossa ideia e nos ofereceu recepção e apoio fantásticos.
O sonho de pedalar por aquele mundão de cerrado concretizou-se em 14 de setembro de 2013. Foi tenso! Coloque-se em meu lugar. Ver aquele monte de gente chegando para pedalar com você, por um lugar que você nem conhece direito, e todos vão lhe seguir! E se eu me perdesse? E se alguém se machucasse gravemente? Mas felizmente, tudo deu certo. Nos preparamos muito, por alguns meses, para que tudo fosse perfeito.
Se você parar para pensar, nunca organizaria um evento como esse. O Pedáguas não visa lucro. Quem trabalhou na organização, pelo contrário, gastou gasolina e tempo em viagens para Formosa, conversas com fornecedores, envio de e-mails, reuniões. Tudo pelo Pedáguas e seus componentes.
O pedal no CIF foi a comemoração de nosso segundo aniversário, mas 14 de setembro está bem longe de 2 de maio (data oficial de aniversário do grupo). Porém, no dia 5 de maio, quando já estávamos com inscrições abertas e faltava menos de um mês para a trilha, sofri um acidente inusitado quando brincava com meu filho numa pista de skate em Águas Claras. Avisei a organização de que não poderia participar. Imediatamente, Carlos Duarte suspendeu o evento, transferindo-o para setembro, quando eu já estaria recuperado.
Carlos Duarte abusou de seu talento nesse evento. Com um texto envolvente e uma bela arte, ele convenceu um bando de gente a encarar essa trilha.
E chegou a data. Auge da seca. Em vans e carros de passeio, partimos para Formosa. Eu segui com o Zénrique. Passamos por Formosa e alguns quilômetros depois da entrada da cidade, paramos na portaria do 6º GLMF-CIF.
Esse sopa de letras deve ser explicada. Abra o Google Maps. Localize o Distrito Federal. Diminua o zoom até conseguir enxergar todas as divisas do DF. Mude o tipo de mapa para imagens de satélite. Agora, repare que a divisa leste do DF, em toda sua extensão, margeia grande área selvagem, sem construções ou lavouras. Este é o CIF, o Campo de Instrução de Formosa, área de treinamento e formação de militares do Exército Brasileiro. São 64 km de comprimento por 26 km de largura, totalizando aproximadamente 1.165 km2 de cerrado preservado, terras que foram desapropriadas na década de 1970. Dentro dele localiza-se o 6º Grupo de Lançadores Múltiplos de Foguetes (GLMF) e o Forte Santa Bárbara. Dentro do CIF, só circulam militares, animais selvagens e gado em algumas pequenas áreas arrendadas. Como o nome revela, lá realizam-se testes de lançamento de mísseis do Sistema Astros, desenvolvido pela Avibras. Por isso, algumas partes do percurso demandaram nossa maior atenção por tratarem-se de áreas de alvo, ou seja, locais onde os mísseis explodem. Nessas áreas poderiam haver projéteis falhados, ou seja, mísseis que, por algum motivo, não explodiram, mas contêm explosivos em seu interior.
Na entrada do CIF, distribui pulseiras aos inscritos e recolhemos os termos de responsabilidade. Depois, seguimos em comboio até a Fazenda Bonsucesso, ponto zero de nossa trilha.
Fomos muito bem recebidos pelos colegas militares. Enquanto descarregávamos as bikes e nos preparávamos para a trilha, vi chegar um grupo de ciclistas desconhecido. Eles vieram pedalando de Formosa. Assustado com a invasão de pipocas, perguntei ao Sargento Leal quem seriam eles, e como conseguiram entrar. Ele me informou que era um grupo de ciclistas liderado por um capitão que serve na área, que conseguiu autorização do Ten. Cor. Oliveira para participar. Perguntei-o sobre os termos de responsabilidade e sobre a alimentação. Leal também estava incomodado com a situação, mas disse que não precisava me preocupar com a alimentação daquele grupo, e que eles estavam sob a responsabilidade do tal capitão.
Por volta da 8h, subi numa área elevada do terreno e chamei a turma para o briefing. Ao meu lado, Tio Kin, Eldenice, Carlos Duarte, Alexandre Vilela, Tenente-Coronel Oliveira e o Sargento Leal.
Comecei com os agradecimentos:
- Ao Exército Brasileiro, Comando Militar do Planalto e seu comandante, o General-de-divisão Gerson Menandro Garcia de Freitas;
- Ao Comandante do Grupo Astros, Ten. Cel. Oliveira, que nos recebeu e aceitou nosso pedido de fazer o Pedal no grupamento;
- À comunicação social do Grupo Astros, Tenente Leôncio e Sargento Leal;
- Ao Sargento Dias e seus guias que ajudaram a mapear o percurso, pela paciência e pelo apoio para concluirmos os trabalhos;
- A todos os envolvidos do 6° GLMF-CIF que pedalando, no apoio ou na escala de serviço contribuíram conosco;
- Ao Zé Henrique;
- Ao Carlos Duarte;
- À Eldenice Rocha;
- Ao Kinzinho (Tio Kin);
- À Edna Dantas, pelas lasanhas
- A Júnior, Regina e Abel, nosso apoio em Formosa;
- Ao Tenente Alexandre Vilela, nosso ponto de apoio no Exército;
- A Bianca e Márgea;
- Ao Corpo de Bombeiros de Formosa e seu comandante Capitão Bráulio;
- A todos que prestigiaram nosso evento.
Falei um pouco sobre a história do Pedáguas e sobre a história do evento, que começou há anos. Depois, dei minhas recomendações e passei a palavra ao Tio Kin, representando o Pedal Tio Kin, de Formosa. Depois, o Tenente-Coronel Oliveira deu suas recomendações finais, principalmente sobre os perigos da área de alvo.
Partimos. Lá se foi aquele pelotão de quase cem ciclistas me seguindo. A trilha era algo desconhecido para a imensa maioria, inclusive para mim. Eu só conhecia o percurso pelo GMaps, já havia esmiuçado cada quilômetro dele na tela do computador, mas pessoalmente, é outra história. Buracos, curvas, subidas, descidas, árvores, rios, tudo se materializa. Nossas roupas coloridas se destacavam em meio à secura da vegetação.
Logo no começo, uma turma quis correr. Era o grupo pipoca. Eu deixei os apressadinhos passarem e eles sumiram na frente. Chegamos na estrada que margeia a BR-020. Seguimos por ela. No quilômetro 19 de nossa trilha eu encontrei o grupo pipoca parado. Ué? Se perderam? Que nada! Um acidente feio. Um deles entrou num banco de areia e foi jogado de cara no chão. Os óculos quebraram e rasgaram o seu nariz. Chamamos o resgate e o sempre alerta Sargento Leal resgatou o acidentado, levando-o de moto até a portaria, onde o ciclista foi resgatado pelo carro do Corpo de Bombeiros.
Daí pra frente a correria no pelotão dianteiro continuou, mas, agora, eu estava no meio. Eu tinha que chegar o quanto antes no Acampamento do Prado, onde seria o nosso almoço, para ver como estavam as coisas e liberar o almoço para quem fosse chegando. A ordem era não liberar comida e bebida antes de eu chegar. Segui correndo. Fomos passando por áreas lindíssimas de cerrado, riachos de águas cristalinas, lagoas cobertas de vegetação e cheias de vida. O cerrado, apesar de estarmos no final da seca, estava verdinho e as plantas estavam floridas.
A passagem pela área de alvo foi tensa. Mesmo com tantas recomendações para que, na área de alvo, os ciclistas seguissem pelo lado direito, lá estavam dezenas deles buscando a sombra do lado esquerdo. Um deles, chegou a descer da bike e adentrar no cerrado para urinar. Fiquei tenso. Passei por eles avisando que estavam correndo risco de vida e segui meu caminho.
Cheguei na Lagoa Grande. Olhando à direita o que se vê é uma planície coberta de vegetação, mas é tudo ilusão. Embaixo da vegetação está a lagoa, com mais de quatro quilômetros quadrados de espelho d’água.
Passada a lagoa, entrei numa estrada à direita, passei pelo riacho que escoa a água da lagoa e cheguei no Acampamento do Prado.
Quando cheguei, que surpresa! Parecia que teríamos uma festa ali, com mesas e cadeiras plásticas embaixo de tendas. Banners de boas vindas, mapa do percurso e uma linda cachoeira para aplacar o calor. Solicitamos a eles apenas uma tenda com uma mesa, mas eles se superaram, e muito. Capinaram e limparam o lugar, construíram escada e corrimãos de acesso à cachoeira, fizeram uma pequena barragem para aumentar o nível de água no poço de banho, ergueram três grandes tendas com inúmeras mesas e cadeiras, banheiros masculino e feminino, sinalização, banners e mapas do percurso. Uau!
Fui logo pra cachoeira. Água limpa, vinda da Lagoa Grande, gelada e revigorante.
Depois, comi minha lasanha e tomei um pouco de suco. A preocupação com o pedal era tanta que nem com muita fome eu estava. Já os recrutas … Havia um pelotão a serviço cuidando do acampamento. A cara de fome daqueles jovens era de dar dó. Nós não pensamos em comprar um pouco mais de refeições para fornecer a eles, afinal, não sabíamos que estariam por lá. Felizmente, a Edna Dantas colocou algumas porções a mais. Quando a Eldenice disse que estava sobrando cerca de uma dúzia de lasanhas, os recrutas avançaram sobre elas.
Eu fui um dos primeiros a chegar no acampamento e já eram 13h. Fiquei preocupado. A maioria do grupo não teria condições de terminar o pedal. Os ciclistas poderiam sair pedalando dali no máximo às 15h30 para chegar ainda de dia ao final da trilha. Passei a negociar com o Sargento Dias. Perguntei se o caminhão do Exército que ali estava poderia resgatar aqueles que não conseguissem voltar. Ele prontamente concordou.
Por volta de 15h comecei a anunciar, gritando alto para que todos ouvissem: “Atenção, quem não partir até 15h30 não poderá mais sair do acampamento.” Alguns se apressaram e partiram logo, outros, ficaram enrolando. Alguns ciclistas acabavam de chegar e não tinham condições de continuar.
Os pelotões foram saindo. Eu saí do acampamento exatamente às 15h30 e os últimos ciclistas ainda não haviam chegado para almoçar. Comecei sozinho os 50 km finais da trilha e, aos poucos, fui alcançando os grupos que saíram antes. Essa parte final foi a mais bela do pedal. Belas áreas de cerrado, matas fechadas, morros, o pôr do sol às 18h.
Eu fui acompanhando alguns subgrupos e, de vez em quando, parava para esperar alguém. Até um soldado passou pedalando, fardado. Alguém desistiu no caminho e ele assumiu o guidão.
Fui esperando até juntar-me ao último grupo, onde estavam Mari Rodrigues, Carlos Duarte e Adonis. Numa curva, Mari desceu muito rápido e acabou passando reto. Parou no meio do mato mas não se machucou. Foi engraçado o grito que ela deu. Depois do sol se pôr, estávamos a menos de 10 km do nosso destino, a Fazenda Bonsucesso. Conosco estava o incansável Sargento Leal, fazendo nossa escolta com sua moto. Os faróis das viaturas iluminaram nosso caminho a partir dali.
Quando chegamos à Fazenda Bonsucesso, não havia quase mais ninguém por lá. A maioria havia partido. Depois de um banho rápido partimos para a Pizzaria La Palma, nossa confraternização pós-trilha. Junto com o Zénrique, ainda conseguimos nos perder dentro do CIF, dando algumas voltas a mais na área até encontrar a saída.
Depois, vi as fotos de quem teve que voltar de caminhão. Eles sofreram mais do que quem voltou pedalando. Comeram muita poeira e chegaram marrons na fazenda.
“Braço forte, mão amiga.” Neste dia, o Exército Brasileiro mostrou que este não é apenas um lema. Obrigado por tudo.
Foi um pedal “sem noção”. Parabéns a todos que aceitaram nosso convite e encararam esse fantástico desafio. Foi um dia pra entrar na história do Pedáguas.
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Confira também outro relato desta trilha no blog do Pedáguas:
https://pedaguas.wordpress.com/2013/10/06/pedal-no-grupo-astros-missao-cumprida-com-louvor/
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Vídeo de Renato Araújo Alves:
Muito obrigado por matar minha curiosidade sobre o local kk tenho vontade de conhecer essa grande área de cerrado
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