Pirenópolis, 18 de agosto de 2018
por Evandro Torezan
Uma das mais belas cachoeiras de Pirenópolis está encravada na Serra dos Pireneus, a quinze quilômetros da Igreja do Rosário. Para conhecer esse paraíso, você terá que subir a serra, enfrentando seis quilômetros de subida pela estrada de terra que segue para o Parque dos Pireneus, estrada que às vezes não é fácil para transitar com carros de passeio. Eu gosto de passar por ali de bike. Depois de passar pelo Mirante do Ventilador, pegue a primeira entrada à direita, tudo bem sinalizado.
Foi pra lá que fomos no sábado pela manhã. A entrada custou R$40 por pessoa. Carro estacionado, na recepção são dadas as opções ao visitante:
1 – Trilha do Abade: 400 m seguindo diretamente para a Cachoeira do Abade.
2 – Trilha do Vale: 2.500 m passando por seis mirantes e quatro cachoeiras.
Seguimos pela Trilha do Vale. Vendo aquele cerrado preservado e trilhas bem cuidadas não se tem ideia da história que está enterrada ali.
Os mirantes começam logo a aparecer. São rampas de pedra e madeira que avançam poucos metros sobre o vale, o suficiente para tirar a vegetação da frente da paisagem. A trilha é muito bem cuidada, calçada com pedras em muitos trechos. Nas travessias de cursos d’água há pontes.
A primeira cachoeira é a do Sossego. A primeira ponte pênsil também fica ali, para atravessar o Rio das Almas. A Cachoeira do Sossego tem quatro degraus e alguns poços rasos. Há também um poço bem fundo, de seis metros, então é preciso tomar cuidado.

Cachoeira do Sossego
Na frente da ponte há uma área de descanso coberta. Ali é preciso decidir se o visitante seguirá até o Mirante do Bugio (400 m ida e volta) ou se seguirá para as outras cachoeiras. Nós fomos até o mirante, o mais interessante de todos, com oitenta metros de altura e vista panorâmica do vale do Rio das Almas.
Voltamos até a Cachoeira do Sossego e continuamos a trilha. Logo depois, passamos pelo Aquário Natural, formado pelas águas cristalinas de uma vereda. Com cerca de um metro de profundidade, e dois de largura, o pocinho é cheio de lambaris.
A próxima atração é a Cachoeira do Landi. Ganhou esse nome pois há um grande landi (árvore nativa da região) ao lado da queda. Há um poço que permite chegar embaixo da queda com facilidade. Ela também desce o terreno em vários degraus.

Cachoeira do Landi
A saída da Cachoeira do Landi é por uma escada, e no final está o maior desafio da trilha para quem tem medo de altura: a Ponte da Tremedeira, uma grande ponte pênsil sobre o vale do Rio das Almas. Prepare-se pois ela chacoalha muito. Apenas duas pessoas podem passar de cada vez, assim, forma-se fila para a travessia.

Ponte da Tremedeira
Do outro lado há duas opções: seguir direto para a Cachoeira do Abade ou passar pela Cachoeira do Cânion. Com cerca de três metros de queda, a Cachoeira do Cânion está abrigada num estreito cânion rochoso. Logo no início do cânion há um trecho raso, com areia fina e água transparente, ideal para crianças.

Cachoeira do Cânion
Saindo do cânion, finalmente seguimos para a maior atração do lugar. Da ponte até a cachoeira são apenas duzentos metros. Prepare-se para conhecer um lugar maravilhoso. O Rio das Almas abriu um buraco no chão de trinta metros de diâmetro. Ela tem cerca de vinte metros de queda e forma poço profundo na base.

Cachoeira do Abade
Há praia de areia e cascalho contornada pelo rio. É nessa praia sombreada que se espalham os turistas.

Praia do Abade
A cachoeira salta completamente livre do alto do paredão, sendo possível passar por trás dela. Para isso, é necessário enfrentar a água gelada do rio e atravessar o poço nadando.

Cachoeira do Abade
Depois de banhar-se sob a queda, nade de volta para a praia, deite-se sob o sol para esquentar, olhe para a queda e deixe sua imaginação viajar … Imagine aquela água turva, levando terra rio abaixo; imagine as margens destruídas, vegetação suprimida. Seria este o destino desse paraíso não fosse a ação firme dos moradores de Pirenópolis, fato que ficou conhecido como “Questão do Abade”. Senta que lá vem história …
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A Questão do Abade
O nome “Abade” não tem origem religiosa. Deriva do sobrenome de um antigo proprietário da área, João Rodrigues Abade, que por volta de 1750 era o guarda-mor das minas que levavam seu nome, as Minas do Abade. O garimpo de ouro de Abade era como a maioria dos garimpos da época e, apesar de poluir as águas dos riachos próximos, não causava grandes problemas ambientais.
Quase um século depois, em 1880, chegou ao então arraial de Meia-Ponte, o francês Bernard Alfred Amblard d’Arena, que ficou conhecido por Coronel Arena. O francês procurava área para extrair ouro. Usaria máquina holandesa que, segundo ele, poderia fazer o serviço de muitos homens.
O francês era experiente na lavra de ouro e conhecedor de várias ciências. Vestia-se sempre de paletó, colete e chapéu brancos. Andava protegido por capangas armados e enormes cães. Com ajuda de moradores locais, acabou escolhendo os barrancos do Córrego do Abade, afluente do Córrego Barriguda, que deságua no Rio das Almas, como local para instalação de sua máquina. Ele arrendou a fazenda e começou sua empreitada.
Havia tanta gente trabalhando por lá que foi necessário construir uma vila. Havia trinta casas, venda, farmácia, açougue. Em seu apogeu, este povoado chegou até a cunhar moeda própria, feitas de ouro ou de cobre com as gravações: “Válida-Arena” ou as iniciais de Alfredo de Arena.
Quando a mineração começou, a produção acelerada da máquina turvou o Rio das Almas. Naquela época não havia água encanada e o rio, que corta Pirenópolis, era fonte de água da população, usado para abastecimento, lavagem de roupas e lazer. As autoridades locais limitaram o funcionamento do garimpo para que o rio ficasse limpo alguns dias da semana. O garimpo funcionava de quarta-feira até sábado, assim, no domingo as águas já estavam limpas para uso da população.
Arena tinha autorização imperial para funcionar, portanto não respeitava as determinações da câmara da cidade. Como verdadeiro coronel, impunha humilhações à população. Assim, com o passar dos anos, a revolta da população foi crescendo. As tradicionais famílias locais também não estavam felizes com os desmandos de Arena.
Ameaçado, Arena protegeu-se. Instalou canhões e morteiros no alto de um morro e armou fortemente seus capangas. Deixou também de respeitar os dias autorizados para funcionamento do garimpo e passou a minerar durante toda a semana. O Rio das Almas praticamente morreu, cheio de terra e contaminado por mercúrio.
A tensão cresceu gradualmente durante sete anos, até que em 1887 deu-se o clímax do conflito. Vinte e quatro jovens meiapontenses invadiram o povoado do Abade, espancaram os capangas de Arena, expulsaram os moradores e incendiaram as casas.
Nunca mais a atividade garimpeira desenvolveu-se na área do Abade e os Rio das Almas é hoje o grande tesouro de Pirenópolis.
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Às 13h saímos da cachoeira e fizemos a trilha de volta. Almoçamos no restaurante ao lado do centro de visitantes. Comida boa. Depois de fazer a sesta no redário, na sombra do cerrado, pegamos a estrada de volta para Piri.
Vale a pena o investimento. Conheça a Cachoeira do Abade. Se não fosse a atividade turística, tudo aquilo poderia transformar-se novamente num imenso garimpo.
Fonte histórica: http://pirenopolis.tur.br/cultura/historia/as-lavras-do-abade
Site do parque: https://www.cachoeiradoabade.com.br/