Tiradentes, 25 de dezembro de 2018
por Evandro Torezan
https://www.strava.com/activities/2035120817
De férias, viajando pelas cidades históricas de Minas Gerais, minha esposa e eu passamos alguns dias na Pousada Recanto das Araras, em Tiradentes/MG. Desde o momento que minha esposa fez a reserva, percebi que ela havia sido muito feliz na escolha. Além de ser uma bela pousada à margem da histórica Estrada Real, atrás dela havia um maciço rochoso impressionante que me deixou curioso. Só quando lá chegamos é que fui estudar a área. O maciço é a Serra de São José.
Tiradentes
Tiradentes nasceu no ciclo do ouro, com a fixação de paulistas em 1702 que descobriram ouro nas encostas da Serra de São José. Formou-se assim o Arraial de Santo Antônio. Em 1719 criou-se o Município de São José del Rei. Em 1889, com a Proclamação da República Brasileira, a cidade mudou novamente de nome, desta vez, para homenagear Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, nascido numa fazenda do município e promovido a herói nacional.
A cidade tem arquitetura colonial preservada, com várias igrejas e casarões. O conjunto arquitetônico da cidade foi tombado pelo então Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), atual IPHAN, em 20 de abril de 1938.
Serra de São José
A Serra de São José estende-se por cinco municípios da região do Campo das Vertentes: Tiradentes, Santa Cruz de Minas, São João Del Rei, Coronel Xavier Chaves e Prados. É um maciço rochoso formado principalmente por quartzito.
Em 1981, a serra foi decretada Área de Proteção Especial Estadual (APEE) para proteger os mananciais responsáveis pelo abastecimento de água das comunidades da região. Em 1990, foi criada a APA São José ampliando a preservação de toda a área. Atualmente, a serra é protegida por um mosaico de unidades de conservação, que são: a Área de Proteção Ambiental (APA) Serra de São José, o Refúgio Estadual de Vida Silvestre Libélulas da Serra de São José e a Área de Proteção Especial Serra de São José. O Instituto Estadual de Florestas (IEF) administra as áreas, que somam 4.758 hectares.
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Estando em Tiradentes, olhando para norte/noroeste, avista-se os altos paredões da serra e não há como não ficar curioso para saber como é a vista lá de cima.

Procurei na Wikiloc e encontrei trilhas cruzando a serra. Seriam mais de dez quilômetros de caminhada. Eu queria ir sem guia, mas minha esposa ficou receosa. Então, contatei empresa de Tiradentes. A agência Uai Trip leva turistas para fazer a travessia, porém, ela não iria abrir no Natal. Encontrei outro guia, e combinei com ele.
No dia combinado, feriado de Natal, liguei para o guia logo cedo. Acredite! O guia furou! Disse que eu não havia confirmado. Pelo jeito, ele encontrou algo mais lucrativo para fazer, pois já estava no alto da serra quando me atendeu.
Decidimos então seguir o tracklog que eu havia achado no Wikiloc, pelo menos até a cachoeira mais próxima.
Saímos caminhando rumo oeste. A divisa municipal entre Tiradentes e Santa Cruz de Minas é um pequeno riacho que fica a duzentos metros da pousada. Logo depois há um balneário municipal. Fizeram uma pequena represa no riacho que desce a serra. Ali fica a Cachoeira do Bom Despacho, com vários degraus e pequenos poços. Ela não tem muita água. Também nesse balneário há um grande totem comemorativo da Estrada Real.

Entramos no balneário pois é nele que começa a trilha. Placas indicam o caminho e os lugares que podem ser acessados. Minha ideia era ir até a Cachoeira do Mangue.
Esse primeiro trecho é o mais difícil pois é necessário chegar ao alto da serra. Placas informam que estávamos entrando numa área de preservação ambiental, o Refúgio Estadual de Vida Silvestre Libélulas da Serra de São José, unidade de conservação criada em 2004, que transformou cerca de 80% da APA Serra de São José em unidade de conservação de proteção integral. Estima-se que a região abrigue entre 40 e 50% de todas as espécies de libélulas conhecidas em Minas Gerais e cerca de 18% de todas as espécies encontradas no Brasil.
Continuamos subindo e terminamos a área mais escarpada. Seguimos acompanhando o pequeno riacho que forma a Cachoeira do Bom Despacho até chegar a outra cachoeira: a Cachoeira do Mangue. Chegamos nela com 2,4 km de caminhada. A cachoeira tem cerca de cinco metros de altura e forma um poço na base. No alto há outra pequena cachoeira e outros poços.


Como havíamos caminhado muito pouco, decidimos continuar. Saindo da cachoeira há uma parte da trilha calçada com grandes pedras cuidadosamente encaixadas. É a Calçada dos Escravos. Foi construída ao período da exploração do ouro, no século XVIII. A trilha era o caminho que ligava a então Vila de São José do Rio das Mortes (Tiradentes) às cidades ao norte da serra, facilitando o escoamento do ouro e o transporte de mercadorias em geral.
Continuamos acompanhando o riacho até chegarmos a suas nascentes. À esquerda há muros feitos com pedras empilhadas.

Entramos em campos planos em meio a dois morros, até virar para o sul e escalar morro rochoso. Subimos até o alto e chegamos ao primeiro mirante da trilha. Lá estava Tiradentes a nossos pés. A vista da cidade lá do alto é interessante. Pode-se visualizar suas ruas tortas e o desenho urbano sem planejamento. As igreja e sobrados destacam-se. O tapete verde aos pés da serra e o paredão vertical da serra a nordeste são impressionantes.
Enquanto subíamos vimos que uma pessoa aproximava-se, seguindo pela mesma trilha. Quando estávamos no mirante, a pessoa nos alcançou. Era Javier, espanhol das Ilhas Canárias, viajando sozinho pelo Brasil há quase trinta dias. Conversamos um pouco com ele, explicamos o caminho para cruzar a serra e partimos, deixando-o no mirante.
A trilha continuou passando por vários outros mirantes. Um deles, chamado Mirante das Três Cidades, está no cume da serra, sendo possível ver Tiradentes a sudeste, Ritápolis a noroeste e Coronel Xavier Chaves ao norte. Acredito que de noite seja possível ver luzes de mais do que três cidades.
Depois do Mirante das Três Cidades, o caminho fica mais plano. Com 6 km chegamos ao Mirante Central. Ele fica bem de frente para Tiradentes, sendo o que tem a melhor vista da cidade.


Depois do Mirante Central há dois caminhos possíveis. O mais óbvio é pela direita, continuando margeando o precipício, que vai diretamente para a passagem de descida da serra. O outro é pela esquerda, trilha que desce acompanhando pequeno vale.
Nós seguimos pela esquerda. A trilha é estreita e às vezes só cabe o pé. Pelo jeito não é muito frequentada. O importante é não sair da margem esquerda do vale.

Pequeno riacho vai formando-se no fundo do vale, surgem pequenos poços, até chegar ao local de travessia. É o alto da Cachoeira Gamelão, que eu nem chamaria de cachoeira. São vários pequenos poços de água ferruginosa. A água escorre pelas pedras entre eles.

Saindo da cachoeira e seguindo a trilha para o alto, chega-se no Túmulo do Carteiro.
Trilha do Carteiro
A Trilha do Carteiro é o caminho que liga o perímetro urbano de Tiradentes ao outro lado da serra. No caminho há um amontoado de pedras com uma cruz. Reza a lenda que ali está enterrado um carteiro que, na época da Inconfidência Mineira, fazia aquele trajeto levando correspondências entre os rebeldes. Porém, a Coroa Portuguesa descobriu a ação do carteiro, armou emboscada e assassinou-o. Onde o carteiro supostamente morreu, foi construído o túmulo.
É tradição fazer um pedido e colocar uma pedra sobre o túmulo para aliviar a alma do defunto e para que ele leve seu pedido, que será então realizado.

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Continuamos subindo. Devido às chuvas da noite, desde o início da trilha viemos encontrando muitas poças d’água pelo caminho. Na parte alta, depois do túmulo, havia muita água. Reencontramos Javier ali. Ele disse que se perdeu depois do mirante onde conversamos, mas depois reencontrou a trilha e veio sempre beirando o precipício.
Deste lado da trilha há muita sinalização.

Chegamos então ao último mirante. A cidade fica um pouco distante e a vista não é tão boa quanto a dos outros mirantes. Havia algumas pessoas por lá, moradores da cidade. Conversamos com eles. Interessante notar que as pessoas não conhecem o local onde moram. Os tais moradores nunca fizeram a travessia da serra, um deles disse que era muito longa e demorada. Expliquei-lhes que havíamos começado a travessia às 10h, e que levamos três horas para chegar ali.
Começamos a descer. Adentramos na floresta. Ali está outro trecho da Calçada dos Escravos, trecho maior, mais conservado e conhecido.

Atravessamos o tapete florestal que víamos de cima da serra. Cavalo solto, pastando na trilha single foi nosso companheiro por alguns minutos. Ele não saía da frente e caminhava vagarosamente, impedindo nossa passagem. Até que chegou numa área mais larga e resolveu sair do caminho. Chegamos na parte de baixo, onde há propriedades rurais. Ver a serra lá de baixo dá uma noção maior dos lugares incríveis por onde passamos.
A travessia termina numa pequena ponte de madeira sobre um córrego.

Entramos na área urbana e caminhamos até o centro. Almoçamos num restaurante na beira do riacho que corta Tiradentes, por volta das 14h. Sentados ali, vimos Javier passar cerca de trinta minutos depois.
Almoçamos sem pressa e descansamos antes de encarar o último trecho de nossa caminhada. Ainda tínhamos que voltar à pousada.
Quando saímos caminhando, reencontramos Javier. Como ele não tinha nada para fazer, resolveu acompanhar-nos. Foram mais quatro quilômetros de caminhada pela Estrada Real.
No total, caminhamos dezoito quilômetros. Foi uma trilha muito tranquila e agradável.
Quem quiser fazer a travessia pode usar este tracklog, que tem pontos de passagem marcados que facilitarão o entendimento da trilha: https://pt.wikiloc.com/trilhas-trekking/travessia-serra-de-sao-jose-tiradentes-8618583