Pan-Cristaluna

Brasília, 5 de setembro de 2020.

Pense num clima seco: vegetação bege, céu azul brilhante, sol de rachar mamona, incidência de raios ultravioleta extremo, umidade do ar entre 15% e 30%. Pensou? Não é deserto, amigo, esse é o clima do Planalto Central no auge da seca, entre agosto e setembro. Soma-se a isso um cheiro nauseante de fumaça vinda de incêndios florestais criminosos e uma pandemia que nos forçou a andar por aí usando máscaras para evitar sermos contagiados pelo terrível coronavírus. Pois foi nessa época que decidimos fazer uma cicloviagem.

Céu azul brilhante e sol de rachar mamona. Ou seriam coronavírus?

Nossos planos eram ambiciosos. Se seguíssemos minha programação de cicloviagem anual, daríamos uma volta completa na Chapada dos Veadeiros, mas a pandemia fechou parques e atrações turísticas desde março, adiando nossos planos para setembro. Porém, em setembro, tudo ainda estava muito nebuloso. Hotéis e pousadas fechados, parques e cidades com restrições de acesso. Decidimos cancelar.

Quando tudo parecia perdido, surgiu uma ideia. Alexandre Bastos sugeriu que fizéssemos uma mini-cicloviagem para os lados do Rancho Cristaluna, para não perdermos o feriado prolongado. Conversa vai, conversa vem, inventamos um percurso que chamei de Pan-Cristaluna. Pan pela pandemia e também pelo significado do prefixo (todos, inteiro), afinal, todos os caminhos terminariam ou começariam no Rancho Cristaluna.

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https://www.strava.com/activities/4017660407

No sábado pela manhã, partimos de Águas Claras. Encontrei Alexandre Bastos (Alexandre Louco) e Andrés Samboni (colombiano) na praça em frente ao meu prédio.

Andrés e Evandro

Alguns quilômetros depois, encontramos Carlos André e Evaldo Silva na saída do bairro Arniqueiras. Seguimos juntos pela ciclovia da EPVP (Estrada Parque Vicente Pires). Pegamos alguns atalhos para chegar à EPIA (Estrada Parque Indústria e Abastecimento), que incluíram passar por baixo de rodovia pelo viaduto de uma ferrovia e cruzar a ARIE Granja do Ipê, mais conhecida pelos ciclistas de Brasília como Trilha dos Tonéis.

Faltava apenas Cristóvão “Sempre-Ele” Naud para que o grupo estivesse completo, mas como sua alcunha nunca falha, ele não estava no local combinado 😤. Verifiquei no celular e ele avisou, por mensagem, que estaria no próximo quiosque azul seguindo ciclovia acima. O problema é que o tal quiosque azul estava fora de nossa rota. Pelo preâmbulo, percebi que o final de semana seria de presepadas de Cristóvão-Sempre-Ele 😔. Antes mesmo de encontrá-lo, tirou-nos do caminho e adicionou alguns quilômetros à nossa já longa jornada 😖. Cristóvão, sempre ele!

Seguimos pela ciclovia até encontrá-lo no quiosque citado, próximo ao Brasília Country Clube. Quando me viu, apontou para seu novo bagageiro e exclamou: “Olha aí, Evandro, bagageiro reforçado!” 😤 É que na penúltima vez em que pedalamos juntos, Cristóvão levava suas tralhas num bagageiro de canote, como de costume, que, num solavanco mais forte da estrada, quebrou-se e tivemos que carregar suas tralhas por quilômetros pois não havia como reparar o estrago. É claro que, na ocasião, expliquei-lhe o motivo da quebra e aconselhei-o: “Bagageiro de canote não serve para trilha off-road, ele não aguenta a trepidação, é contra as leis da física. Se você faz questão de usar bagageiro, compre um que tenha apoio por baixo.” Mas Cristóvão não me ouviu. Lá estava ele com um outro bagageiro de canote. Sem ter o que fazer, apenas inspirei profundamente 😤 e torci para que não quebrasse.

Continuamos nosso caminho entrando no Park Way, bairro rico de Brasília, cheio de mansões, ruas limpas e tranquilas e ciclovias bem cuidadas. Nosso destino era a DF-001, mas para chegar lá tínhamos alguns caminhos mais emocionantes do que ruas asfaltadas. Saímos do Park Way e seguimos por trilhas ao longo da ferrovia que corta o bairro, até chegarmos ao Núcleo Rural Córrego da Onça, por onde seguimos pelo meio ao cerrado até alcançar a DF-001, bem em frente à Área Alfa da Marinha do Brasil. A partir dali, seguimos pelo asfalto por nove quilômetros até a estrada de terra que contorna a Área Alfa.

Ao chegar ao início da estrada de terra, encontramos dois velhos amigos do Rebas do Cerrado: Edu Burgel e Arquimedes estavam fazendo a Trilha Buritis e acompanharam-nos por alguns quilômetros. 

Seguimos por essa estrada por quatro quilômetros, cruzando o Ribeirão Santana e acompanhando seu curso a cerca de cem metros dele. Abandonamos a borda da Área Alfa seguindo estrada à esquerda, que nos levou pelos mesmos caminhos que percorremos em maio. Pulamos uma porteira e seguimos a estrada antiga e abandonada. Trechos erodidos não dificultaram nossa passagem, mas de carro ali não se anda. Começamos a descer a borda da chapada por onde pedalávamos. Do lado direito, nosso antigo companheiro Ribeirão Santana, do lado esquerdo, nosso novo amigo Córrego Pastinho.

O trecho de descida, protegido por belo cerrado, terminou na Fazenda Taquaral. Cagaiteiras em flor decoravam a fazenda. A cagaiteira gera pequenas flores brancas que surgem durante a seca. Elas cobrem toda a copa e junto com os ipês deixam o cerrado mais bonito, apesar da desolação que a seca provoca.

Cagaiteira florida

Atravessamos a fazenda e seguimos para o Jardim ABC por uma longa estrada de terra batida que atravessou setor de chácaras. Cruzamos a divisa DF/GO um pouco antes de chegar à área urbana.

Paramos numa padaria para um lanche rápido. O Jardim ABC é um bairro distante do centro do município goiano Cidade Ocidental. Ele fica no Entorno do Distrito Federal, logo depois da divisa.

Depois do lanche, saímos do ABC pelo sul, pela GO-521, e voltamos às estradas de chão depois de três quilômetros. Cruzamos o Ribeirão Mesquita perto de sua nascente e subimos o chapadão de sua margem esquerda. A estrada segue pelo divisor de águas de dois afluentes do Rio São Bartolomeu. Do lado direito, o Ribeirão Mesquita, do esquerdo, o Córrego Garapa. Desde a primeira passagem pelo Mesquita, próximo a sua nascente, percorre-se 21 quilômetros pelo divisor de águas sem se cruzar nenhum rio ou riacho, até cruzar novamente o Mesquita, já próximo à sua foz no São Bartolomeu. Apesar disso, a poucos metros da estrada nascem vários córregos tributários do Mesquita e do Garapa.

Seguimos pelos altos e baixos desse divisor de águas, sempre ladeados por belas vistas goianas. A passagem final pelo Mesquita é interessante. A estrada adentra num belo trecho de mata ciliar compartilhada entre o Mesquita e o São Bartolomeu. Depois do Mesquita, cruzamos o Rio Saia Velha e chegamos ao Bar do Rabugento ao meio-dia.

Saída do Saia Velha

O bar fica na margem da GO-010. O bar trocou de dono novamente. Agora é Rodrigo que toca o negócio. Foi logo oferecendo seu produtos: frango a passarinho, salada, arroz. Pedimos uma porção de frango e tomamos refrigerantes enquanto o frango era preparado.

O tal frango demorou cerca de quarenta minutos para ficar pronto. Já estávamos desistindo quando Rodrigo trouxe a porção. Sorte não termos pedido arroz. O atraso não foi tão ruim assim pois, entre as conversas, Rodrigo revelou-nos um bom lugar para aplacar o calor da tarde, logo ali, no São Bartolomeu.

Voltamos à atividade pedalando pelo asfalto. Logo após cruzar a ponte do São Barlolomeu, pegamos estradinha à esquerda na margem do rio e encontramos o local indicado, muito bom para tomar banho, ao lado das ruínas de uma antiga ponte. Banho refrescante e revigorante.

Às 13h30, voltamos a pedalar pela GO-010. Subimos a forte ladeira da margem esquerda do São Bartolomeu. No alto, já em parte mais plana, é possível avistar as estradas de terra branca que havíamos percorrido antes de chegar ao bar.

Paramos no alto para reagrupar e partimos logo depois que Cristóvão chegou. Na primeira descida, Cristóvão aprontou mais uma vez. Ele perdeu seu celular e nem se deu conta. O aparelho foi resgatado por Evaldo que entregou ao Sempre-Ele quando o alcançou. Cristóvão havia instalado um suporte de guidão para levar o celular, mas já havia entendido que não foi um bom investimento. O suporte não aguentava a trepidação e o celular caía.

Depois de passar pelo Córrego Lavrinha, adentramos numa área com muitas florestas de eucalipto. Elas formam belos e sombreados trechos muito gostosos de pedalar. Saindo da floresta, sobe-se a Chapada Pamplona. No alto, Carlos André, que vinha tendo problemas com o pneu traseiro, teve que trocar a câmara de ar. Eu arranjei um lugarzinho no meio do cerrado da beira da estrada, deitei e cheguei a dormir um pouco enquanto ele fazia o reparo.

No alto da chapada há muitas fazendas. Elas represaram o Rio Pamplona e formaram muitas lagoas usadas para irrigação de lavouras. O Pamplona era uma sequência de veredas lotadas de buritis, agora, tem várias represas. Triste de ver. O cerrado da área então, nem se fala. Sobrou pouco. Por quanto tempo o Pamplona resistirá sem o cerrado que o cercava? Veremos!

Nós seguimos entre as lavouras. Paramos na frente de uma casa de fazenda e aproveitamos para pedir água. Muitos caminhões carregados de cascalho passavam pelo local, levantando poeira e piorando um pouco mais o clima. O morador da casa avisou-nos que a estrada à frente estava muito ruim de passar. É que a área, antes pastagem, foi preparada para transformar-se em lavoura e a terra mexida desses chapadões transforma-se facilmente num pó muito fino que chamamos de talco. Esse pó acumulou-se na estrada formando uma camada de vinte centímetros, dificultando muito a passagem de qualquer veículo. Os caminhões estavam levando o cascalho para empedrar a estrada. Se tivéssemos sorte, não pegaríamos tanta poeira.

Tomamos a água geladinha que nosso amigo nos deu e seguimos viagem. Tivemos sorte: a obra de empedramento da estrada havia sido concluída e passamos sem problemas.

Logo depois, que tristeza! Eu queria muito encontrar a recém-lançada cédula de duzentos reais, decorada com o lobo-guará, mas acabei encontrando o próprio lobo, amassado e esticado como papel, vítima de atropelamento. O cerrado agoniza.

Carcaça de lobo guará atropelado na estrada de terra

Desde o encontro com o lobo, para ajudar Carlos André, segui na frente com ele, para chegar logo ao Cristaluna e evitar mais enchidas de pneu. Logo chegamos à borda sul da Chapada Pamplona. Descemos, subimos um pouco e pegamos estrada à esquerda que levou-nos à Fazenda Pamplona. Passamos por uma floresta de eucaliptos e pouco antes de entrar na área da sede da fazenda, margeamos a área cercada para chegar ao Rio Pamplona. Assim chegamos à “temível ponte do Cristaluna”.

A “temível ponte do Cristaluna”, uma pinguela bem feita, bota medo até no mais destemido ciclista. Depois de pedalar mais de cem quilômetros pelos chapadões do Planalto Central, chegar à beira do rio e ter que encarar aquele desafio deixa de pernas bambas quem nunca a atravessou. Confesso que eu, depois de tantas vezes cruzar essa pinguela, já não tenho medo, mas tenho respeito e sempre atravesso com todo cuidado possível.

Enrosquei a bike no ombro e atravessei a ponte, mostrando ao Carlos André como ele deveria fazer. Meu aluno foi bem, atravessou tenso, mas sem problemas. Não demorou nem quinze minutos para que o resto do grupo chegasse. O último a atravessar a ponte foi Andrés, nosso amigo colombiano. Ele foi o que mais sofreu: enroscou pedal nos arames, tremeu as pernas, suou frio, mas passou, são e salvo. Às 17 horas estávamos todos no rancho.

Depois do banho, partimos para o jantar. Encomendamos refeições na Pamonharia Recantus, que fica na margem da BR-040, na comunidade Rosas de Brasília, onde também fica o Rancho Cristaluna. Seria pouco mais de 1,5 quilômetro de caminhada, mas Cristóvão propôs irmos por um caminho “melhor”, desviando do pó da estrada: “Vamos pela trilha para fugir desse pó que tem na estrada.” E lá fomos nós. Como a promessa era de percorrermos um caminho “melhor”, três de nós seguiram de chinelo de dedo, inclusive eu. Na frente do rancho, Cristóvão abriu um colchete e seguimos por um single track que margeia o pequeno Córrego Lageado, que corta a comunidade. Seguimos pelo single até que ele acabou e a trilha sumiu. Tivemos que andar pelo meio da pastagem até chegar à Capela do Viajante, que Cristóvão construiu. Ali alcançamos outra estrada e ela tinha muito pó. Os pés afundavam quando pisávamos. Cristóvão justificou-se: “Não imaginei que teria tanto pó aqui.” 😤 Subimos em direção à rodovia, mas Cristóvão quis pegar um desvio e era rua sem saída. Voltamos. 😔 Continuamos subindo e finalmente chegamos à pamonharia com quase uma hora de atraso. Estávamos imundos. A dona do Recantus até estranhou quando nos viu entrar. Cristóvão, sempre ele! 😖

Pelo menos a comida estava boa, com salada, arroz, feijão tropeiro e frango caipira, e foi temperada com o melhor dos temperos: a fome.

Finda a comilança, nem demos ouvidos às recomendações de Cristóvão, seja lá quais fossem. Seguimos direto para o rancho, pelo caminho normal, sem tentar fugir do pó, que, nessa estrada, nem era tanta. 😡

Resumo da aventura: 123 quilômetros percorridos, 1.558 metros de subida, cinco quilômetros de trekking e muito pó.

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Rancho Cristaluna, 6 de setembro de 2020.

https://www.strava.com/activities/4027262262

Avisei Cristóvão na véspera: “Partiremos às 7 horas da pamonharia” É que Cristóvão se enrola um pouco pela manhã e acaba atrasando a partida, por isso, informei-o de que não o esperaríamos para o café e sairíamos do rancho às 6 horas da matina. Mas eu não consegui fazer a turma partir no horário combinado. Quando finalmente íamos saindo, descobri que a porteira estava fechada e tivemos que ir até a casa de Cristóvão, que fica a duzentos metros do rancho, para conseguirmos sair.

Assim, apenas às 6h20, saímos pedalando até a pamonharia. Chegando lá, enviei um Zap para Silvio Sá, que estava vindo de Brasília junto com Fernando Pinheiro para fazer a trilha conosco, informando o horário do “partiu”. O café da manhã foi reforçado, com pão de queijo, misto com ovo, café com leite e suco de laranja.

Silvio e Fernando chegaram, tomaram café, e, só por volta de 7h20, Cristóvão deu as caras. Ele disse que havia enviado mensagem avisando que esperaria em outro lugar. Ele tem essa mania de mudar o combinado 😔. Mas a mensagem não saiu do seu celular e ele teve que voltar à pamonharia.

Enfim, partimos. Nosso objetivo era conhecer a Cachoeira do Borella. Ela estava em meus planos desde 2014, quando passei pelo Rancho Cristaluna no primeiro dia de minha jornada De catedral a catedral. Na época, nosso objetivo era passar pela Cachoeira do Borella e pernoitar em Cristalina, mas Cristóvão propôs-se a guiar-nos pela Trilha do Templo e acabamos mudando o roteiro. Seis anos depois, finalmente iria conhecer esse espetáculo natural.

Nossa ida seria uma variação da trilha que Cristóvão batizou de Lualina, que parte do Rancho Cristaluna e termina em Cristalina, e a volta seria pela Linalua, que parte de Cristalina e termina no Rancho Cristaluna, todas predominantemente por estradas de chão com alguns trechos de asfalto. O conjunto, já que não tinha nome, eu chamei de Lunalina.

Cristalina é um lugar muito bonito. Se não fosse a devastação causada pelo agronegócio na região, teríamos ali um potencial turístico semelhante ao da Chapada dos Veadeiros. Eu não conheço muito da cidade, mas posso citar alguns exemplos do que sobrou: Balneário das Lajes, Pedra Chapéu de Sol, Cachoeira do Borella, Cachoeira do Arrojado, os lagos das crateras de exploração de cristal. Isso sem falar na quantidade de buritizais que existiam na região, formando rios de águas cristalinas, potáveis na fonte. Mas o agronegócio entrou forte na cidade, destruindo o cerrado e espalhando agrotóxico pelo ambiente. Nos vales, onde antes haviam buritizais, agora imperam as represas usadas para irrigação. Até quando haverá água suficiente? Numa outra viagem que fiz pela região, em 2015, o Desafio de Cristal, na passagem pela nascente do Córrego da Posse, o cheiro de agrotóxicos era tão forte que cheguei a ficar nauseado.

Mas sigamos com nossa jornada. Pedalar é preciso! Nossa trilha seguiu pela BR-040, no sentido de Cristalina, por 3,5 quilômetros. Depois de cruzar o Ribeirão Furnas, entramos à direita numa estrada de chão. Logo cruzamos o Córrego Diogo, depois o Córrego Acaba Rabo e começamos a descer o belo vale do Ribeirão dos Topázios.

Linda Serra dos Topázios

O Ribeirão dos Topázios nasce da junção dos Córregos Topazinho e Capão do Jaó. O Topazinho nasce praticamente dentro da zona urbana de Cristalina. O Topázio corre pelo planalto por cinco quilômetros até lançar-se pelos meandros da Serra dos Topázios, onde logo depois encontra-se com o Córrego Pedra em Pé e forma belíssimo cânion, cheio de poços de águas cristalinas. Nesse emaranhado de cursos d’água, a família Sautchuk decidiu criar a RPPN Linda Serra dos Topázios. Ah, como eu queria que todo proprietário rural seguisse esse exemplo!

RPPN é uma sigla que significa Reserva Particular do Patrimônio Natural. É uma modalidade de unidade de conservação em que a propriedade é transformada em reserva ambiental, sendo permitido ao proprietário explorá-la comercialmente desde que preserve seu aspecto natural. O melhor de tudo é que a área não pode deixar de ser RPPN, seu caráter é perpétuo! 👏👏👏

A RPPN Linda Serra dos Topázios foi criada em 25 de outubro de 1994, sendo uma das primeiras do Planalto Central. Ela possui cerca de quinhentos hectares. Quem quiser pode visitá-la e até hospedar-se lá.

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Nosso encontro com o Topázio foi fora dos limites da reserva, mas a qualidade da água que passava por baixo da ponte revela a importância desse tipo de unidade de conservação. Parei para contemplar o rio.

Ribeirão dos Topázios

Enquanto eu fotografava, vi que Cristóvão parou logo depois da ponte, desceu da bike, caminhou até a ponte e voltou. Não vi o que ele estava fazendo.

Sem demorar muito, saí da ponte e quando iria começar a pedalar novamente, o próprio Cristóvão entregou-se: “Olha aí, Evandro, o Sempre-Ele de novo!” 😂 O bagageiro de canote de Cristóvão quebrou mais uma vez, ao pegar um grande buraco em cima da ponte. Cristóvão, sempre ele! 😔 Não foi por falta de aviso. Cristóvão revelou, então, que aquele bagageiro não era novo, pelo contrário, era o velho bagageiro que ele usou na viagem da Serra da Canastra, há cinco anos. Na época, ele tentou reforçar o bagageiro para a viagem, adaptando uma alça de balde velho para apoiá-lo no quadro 😖, mas é claro que deu merda: a alça de balde não serviu para nada e a blocagem quebrou. Agora, cinco anos depois, o velho bagageiro, cuja blocagem foi substituída por um parafuso, quebrou de vez 😡. Tivemos que espalhar as tranqueiras de Cristóvão pela bike dele, amarrando com extensores. Só sobrou uma sacola que foi transportada pelo Evaldo.

Continuamos a subida do vale e, quando reencontramos os amigos, foi só zoeira com Cristóvão. A turma percebeu que não é exagero de minha parte os relatos das façanhas de Cristóvão-Sempre-Ele. 😂 

Na ponte sobre o Ribeirão dos Topázios começou a subida da Serra dos Topázios. A parte mais íngreme ainda tem um pouco de vegetação, mas quando o relevo aplaina e a estrada adentra numa grande chapada, a paisagem fica feia. Nada de cerrado, nada de árvores, nada de água, nenhuma sombra, apenas terra nua já que nessa época do ano nenhuma cultura consegue desenvolver-se sem irrigação, nem ervas daninhas parecem ter força para brotar. É como um deserto: terra seca e poeirenta, vento quente soprando e de vez em quando passava um redemoinho de pó e palha. Isso sem falar nas áreas queimadas, onde a terra esturricada e cheia de cinzas deixava claro que o fogo passou, queimando a matéria orgânica do solo que proveria boa safra no próximo ano. 😔

Seguimos pelo deserto até a entrada de uma fazenda. Desde a passagem pelo Ribeirão dos Topázios foram 17 quilômetros de subida. Hora de descer a vertente norte da Serra dos Topázios. Passamos por uma porteira e seguimos pela estrada até alcançar área de cerrado que passamos a bordear. A estrada seguiu descendo por três quilômetros e levou-nos até o Ribeirão Pau de Óleo. Quando chegamos, placa indicava: Cachoeira do Borella. Chegamos! Há uma construção no lugar, que deve ser bar, mas estava fechado e aparentemente abandonado.

O bar abandonado no Poço do Borella

Bem em frente, um grande poço de águas verdes e uma cachoeira a montante.

Poço do Borella ao lado do bar abandonado

Eu avisei logo a turma: “Aqui não é a Cachoeira do Borella. Vamos só dar uma olhada nesse poço e seguir.” Eu contemplava a cachoeirinha quando percebi que Cristóvão já estava dentro d’água 😔. Acho que ele não me ouviu. Então, capitaneados pelo Sempre-Ele, decidimos ficar trinta minutos curtindo aquele poço. Foi uma boa decisão. A água estava fria, mas foi agradável mergulhar e tomar ducha embaixo das pequenas quedas d’água, escalar as pedras, saltar para dentro do poço 😀. Afinal, Cristóvão acertou. 🤔

De banho tomado no poço, saí para secar-me. Quando eu já me preparava para partir, chegou uma turma para fazer churrasco. Traziam panelas, carnes, carvão, bebidas. No horário combinado, Cristóvão havia sumido 😤. Terminei de me arrumar e avisei a turma: “Vou seguir para a cachoeira.”

Atravessei o Ribeirão Pau de Óleo pela pequena ponte de pedra e segui pela estrada do outro lado, pelo meio de grande área de vegetação nativa com cerrado, buritizais, matas de galeria. Pedalei apenas seiscentos metros e cheguei à bifurcação que me levaria à Cachoeira do Borella. Parei sob a sombra de uma árvore e fiquei esperando a turma chegar. Foram dez minutos de espera. Descemos juntos até a cachoeira.

A chegada à Cachoeira do Borella é um pouco difícil. Fizeram uma bagunça de terra no lugar para que carros consigam chegar perto, um verdadeiro crime ambiental. Na primeira chuva, toda aquela terra mexida vai ser carreada para o rio. Mas enfim, encontramos o caminho. Deixamos as bicicletas no final da estrada e por escada escavada no barranco descemos o escarpado cânion. Daí, algumas dezenas de metros por trilhas na encosta e chegamos à parte de baixo da cachoeira.

É uma visão ímpar. A cachoeira, com cerca de dez metros de altura, forma poço de águas verdes de trinta metros de diâmetro. Caímos na água, nadamos no poço, tomamos banho sob a queda. Lugar incrível! Até o cascalho do poço é especial: cheio de cristais.

Cachoeira do Borella. Foto de Andrés Samboni. Ciclista: Alexandre Bastos.

Com a cachoeira visitada, nosso objetivo mudou. A fome passou a ser nosso guia e o destino, Cristalina. Primeiro saímos da beira do rio e escalamos o vale para reencontrar nossas bikes. Com elas, continuamos a subida do vale, uma boa área de cerrado. Quando o relevo aplainou, encontramos velhos fornos de carvão abandonados. Me dá uma tristeza enorme encontrar fornos de carvão, mesmo velhos e abandonados. É uma prova de que o cerrado dali foi todo queimado 😪.

Sem o cerrado, o solo cede facilmente e enche a estrada de areia. Atravessamos o areião e continuamos subindo. Nosso caminho até Cristalina foi uma longa subida acompanhando o Ribeirão Pau de Óleo de longe, a cerca de 1,5 quilômetro de seu leito. Cruzamos fazendas, pulamos cercas. Pelo caminho, mais sinais de destruição. Cerrado removido, grandes várzeas drenadas que viraram pastagem, lagoas secas. Quase na chegada à BR-050, um redemoinho de pó e palha de milho me pegou. Parei a bicicleta para não ser derrubado e fiquei observando de dentro esse curioso fenômeno.

Alcançamos a BR-050 e seguimos no sentido de Cristalina por mais oito quilômetros. Dor chata em meu joelho direito começou a incomodar. Paramos no Restaurante e Churrascaria Rodeio para o almoço. Chegamos tarde ao restaurante, por volta de 13 horas, e apesar de pagarmos para “comer à vontade” a carne acabou bem rápido e acabamos ficando sem comer à vontade, mas tivemos que pagar o valor combinado, contra nossa vontade 😔.

Findo o almoço, só nos restava voltar ao Rancho Cristaluna. Saímos de Cristalina pela BR-040 e seguimos por ela até o início da rodovia GO-436, na qual entramos. Ali começa uma longa descida pela rodovia, tão longa que a turma que ia na frente, capitaneada por Silvio Sá, passou da entrada à esquerda onde deveriam ter entrado, numa estrada de terra onde há placa indicando a Fazenda Nossa Senhora Medianeira, devidamente marcada no tracklog. Eu estava com Cristóvão, duzentos metros atrás do pelotão dianteiro, e quando vi Fernando, o último da turma, passando reto no asfalto, gritei, chamei, assoviei, mas não me ouviram. Então mandei mensagem pelo celular: “Vocês erraram o caminho. Se continuarem pelo asfalto vão chegar a Unaí. Voltem e entrem na estrada da Fazenda Nossa Senhora Medianeira.”

Cristóvão e eu seguimos viagem, mas logo fomos alcançados pelos amigos que, pela rapidez, devem ter percebido o erro rapidamente.

A Linalua, rota Cristalina-Cristaluna, é praticamente só descida. Ela segue pelo alto da chapada conhecida como Serra dos Cristais. O Ribeirão Furnas é presença constante à nossa esquerda, a cerca de 1,5 quilômetro da estrada, e o Córrego Mato Grande faz as vezes do lado direito. As poucas subidas foram superadas rapidamente. Meu joelho aguentou bem. Eu só não podia parar de pedalar pois, toda vez que parava, a dor para reiniciar era grande. Quase não há mais árvores na beira das estradas rurais em Cristalina. É uma pena. O ambiente fica muito mais hostil. Antigamente, quando o transporte automotivo era menos utilizado, sombras eram mais importantes, mas agora, em que os donos das fazendas só passam de carro, eles fazem questão de eliminar todas. Uma das únicas que encontramos foi um baruzeiro em plena produção. Para quem não conhece, baru é a castanha do cerrado.

No quilômetro oitenta da trilha, quando o caminho aponta para o oeste, avistamos os contornos da Serra dos Topázios, a cerca de treze quilômetros de nós em linha reta. Passamos pelo alto dela pela manhã.

E assim, às 17 horas, estávamos de volta à Pamonharia Recantus. Preferimos adiantar o jantar para não ter que pegar as trilhas sinistras de Cristóvão durante a noite . Depois do lanche/jantar, despedimo-nos de Silvio e Fernando, que voltaram a Brasília. O resto da turma terminou a trilha no Rancho Cristaluna, com direito a piscina para espantar o calor.

Resumo do dia: 90 quilômetros com 1.034 metros de subida.

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Rancho Cristaluna, 7 de setembro de 2020.

https://www.strava.com/activities/4027263568

Hora de voltar para casa. Devido às dores no joelho que começaram no dia anterior, eu não conseguiria percorrer a dura Cristaluna Oeste para voltar a Brasília. Preferi voltar pela BR-040. Os amigos, já cansados depois de dois dias de pedais pesados, acompanharam-me na escolha. Sem pressa, decidimos partir às 10 horas da pamonharia. Para isso, teríamos que sair do rancho às 9 horas.

Cristóvão prometeu-nos uma manhã cheia de atividades. Primeiro fomos conhecer mais um pouco do Rancho Cristaluna. Além da área mais frequentada, à margem do Rio Pamplona, o Rancho Cristaluna estende-se por grande área do outro lado da estrada, onde há mata de galeria do pequeno Córrego Lageado, nascentes, poços para banho, cerrado, a Capela do Viajante e até a carcaça de uma Rural, que foi absorvida pela mata.

As trilhas single percorrem toda a área e é possível percorrê-las de bike. Tem também uma trilha que percorre a mata ciliar do Pamplona, que começa na frente do rancho e vai até a Gavião, a chácara onde fica a casa de Cristóvão. Depois da caminhada, tomamos um banho paradisíaca piscina para refrescar.

Piscina do Rancho Cristaluna

Com toda essa atividade, só conseguimos partir às 9h20, e só eu e Alexandre. Chegamos à pamonharia e fomos logo pedindo o café da manhã: suco de laranja, café com leite e misto completo. A turma chegou quase às 10 horas e Cristóvão, o empresário, negociando hospedagens em seu rancho, chegou à pamonharia às 10h20. Só partimos às 10h40.

Meu joelho começou a pedir arrego logo cedo. Sobe-se muito para chegar ao Distrito Federal e o primeiro grande desafio começa depois de cruzar o Rio São Bartolomeu. São nove quilômetros de subida até alcançar área plana no alto de uma chapada. Eu fui ficando para trás devido às dores no joelho e fui pedalando devagar. Quando vi que a turma abriu muito, dei uma acelerada. Parece que a dor aliviava quando pedalava mais rápido. Alcancei-os e seguimos juntos. De vez em quando, fazíamos uma parada para reagrupar.

Alexandre, André e Cristóvão pedalando na BR-040

A subida para chegar a Luziânia é pesada. São 151 metros de ascensão em 3,5 quilômetros. Teve gente que até pegou carona na rabeira de uma carreta que passou devagar. Não vou entregar os colegas, mas tinha um gaúcho e um cearense envolvidos 🤐. Por volta de 12h30 chegamos ao Posto Corujão, 29 quilômetros rodados, onde paramos para almoçar. Apenas Cristóvão e Alexandre encararam o buffet. Teria alguma relação com a carona no caminhão? Ops! 🤫 Eu fiquei só no lanche e tomei um sorvete.

Voltamos ao pedal. Depois de Luziânia, no Jardim Ingá, começa a mais longa subida da viagem. São dezessete quilômetros, até pouco depois do Monumento Solarius, mais conhecido como Chifrudo.

Cristóvão passando pelo Monumento Solarius (Chifrudo)
Estátua da Liberdade da Havan em Valparaíso de Goiás

O último município goiano por onde passamos foi Valparaíso de Goiás. Estávamos quase chegando a Nova Iorque e nada de chegar ao Distrito Federal. Essa última subida forçou muito meu joelho e a dor aumentou. Passei a pedalar apenas com a perna esquerda.

Chegamos ao local mais alto do dia em Santa Maria: 1.252 metros de altitude. Dali em diante ficou mais fácil. Descemos juntos pela EPIA até a entrada da ARIE Granja do Ipê (Tonéis), onde nos despedimos de Cristóvão. Ele estava bem cansado e prometeu que ficaria ali, deitado na grama, por pelo menos meia hora. Cristóvão, sempre ele! 😁

Cristóvão-Sempre-Ele descansando

Despedimo-nos do amigo e seguimos para os Tonéis. Cruzamos a área pelos singles mais planos possíveis para que eu não precisasse usar minha perna direita. Logo chegamos ao Núcleo Bandeirante, atravessamos a EPNB pelo viaduto da linha férrea e seguimos por ciclovias até Águas Claras. Pelo caminho, despedimo-nos de Evaldo e Carlos André que entraram no bairro Arniqueira, onde ficaram seus carros. Alexandre despediu-se na entrada de Águas Claras e tomou o rumo de sua casa em Vicente Pires. Andrés enfrentou comigo a última subida da viagem, da EPVP até a praça onde fica meu prédio. Sua esposa esperava-o para levá-lo para casa.

Resumo do dia: 98 quilômetros e 1.204 metros de subida.

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Pan-Cristaluna: todos os caminhos levam a Cristaluna, assim como todas as presepadas do trecho levam a assinatura de Cristóvão, sempre ele!

Resumo da viagem: 314 quilômetros com 3.272 metros de subida. 

https://www.strava.com/activities/4029513344

3 comentários sobre “Pan-Cristaluna

  1. Pingback: Cristalina: Pedra Chapéu de Sol, Cachoeira do Arrojado e Cachoeira dos Topázios | Ser Pedalante

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