Buriti da Sardinha

Girassol/GO, 1 de agosto de 2020.

https://www.strava.com/activities/3852254723

https://www.wikiloc.com/mountain-biking-trails/girassol-buriti-da-sardinha-oasis-53614079

Há cerca de um mês recebi um pedido inusitado. Depois de ler meu relato da Trilha Oásis, um amigo encomendou-me o mapeamento de outra trilha, maior, que também passasse por lá. Vou começar a cobrar 🙂 Mas o importante nessa história é que meus estudos na região levaram-me a explorar uma área até então desconhecida por mim, ao norte da BR-070. Um lugar em especial chamou-me atenção devido ao nome: Buriti da Sardinha. Lá fomos nós conhecer essa região montanhosa cheia de cerrado. Marcamos a trilha para o dia 18 de julho.

O problema é que o estilo de pedalar desse meu amigo não tem nada a ver com o meu. O dele é correr, terminar logo, até parece que quer se livrar daquele “sofrimento” para tomar um cerveja depois e gabar-se dos tempos registrados no Strava. Ele gosta de velocidade, de descer alucinadamente. Concordo que quando aquela descida enorme aparece em minha frente, cheia de curvas, valas, buracos, cascalho e curvas de nível, a tentação de descer rápido é grande. Disputar com os amigos, colocando sua habilidade à prova… a adrenalina flui pelas veias. Adrenalina vicia e eu também gosto, mas quando chego lá embaixo, bate aquele arrependimento: “Poxa, nem curti a paisagem.” Nada contra os velocistas, mas meu estilo de trilhar é outro. Eu gosto de contemplar a paisagem, curtir a trilha, conhecer a região por onde estou passando, tomar banho nos rios, parar nas biroscas do caminho, conversar com os amigos e com os moradores da área e chegar ao final com uma boa história para contar. 

Fomos para Edilândia no dia combinado. Logo no começo, a turma pegou a longa descida até a baixada do Buriti da Sardinha e desapareceu. As paisagens são incríveis, dignas de cartão postal, mas eu acho que eles não viram nada. Eu até tentei curtir a trilha, mas logo vi que se não acelerasse, seria abandonado à minha sorte. Assim, guardei a câmera na mochila e desisti de fazer a trilha como gosto.

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Alguns dias depois, combinei com outro amigo de percorrer um caminho quase igual na mesma região. O amigo esticou a trilha que eu havia mapeado incluindo Girassol ao percurso, aumentando-a em trinta quilômetros. Desde o início da semana comecei os preparativos: fiz upload da trilha para o Wikiloc, convidei mais ciclistas, dei um trato na magrela. Contudo, na véspera, o amigo desistiu devido a problemas de saúde na família. Cancelar o evento já não era possível pois outras pessoas haviam confirmado presença. Tive que me virar.

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No sábado de manhã passei na casa de Anderson e seguimos de carro até Girassol, localidade a 64 quilômetros do centro de Brasília, que geralmente nem é notada pelos motoristas que deixam o DF e dirigem-se à turística Pirenópolis, mas ela faz parte da história do Planalto Central. Girassol nasceu às margens da Estrada Colonial, ou Picada da Bahia, que ligava a Bahia ao Mato Grosso no Século XVIII. O primeiro registro de sesmarias na região remete ao ano de 1756.

Estacionei no Posto Lune, ponto de partida da trilha. Para minha surpresa, outros sete ciclistas estavam lá para trilhar conosco, quatro homens e três mulheres. O pelotão ficou assim: Alex, Anderson, Amanda, Luciana, Chicão, Rodrigo, Andrés (colombiano), Cristina e eu.

O friozinho da manhã fez o grupo procurar um lugar ao sol. Partimos no horário combinado, 7 horas. Logo que deixamos Girassol, as belas paisagens da região começaram a aparecer.

Morros cobertos de mata entremeados por propriedades rurais, estradas de terra atravessando os vales.

Se eu soltasse os freios, mais uma vez perderia aquelas belíssimas paisagens. Segui devagar, apreciando a descida. 

O Rio Pirapetinga nasce bem próximo à estrada por onde passamos, a poucos quilômetros de Girassol. 

Seis quilômetros depois de sairmos de Girassol, chegamos à Área de Preservação Ambiental da Gruta dos Ecos.

Há tempos tinha curiosidade de conhecer o lugar e aproveitei a oportunidade. Pulamos a cerca e seguimos a curta trilha até a boca da gruta. A entrada não é algo que chame atenção, é apenas uma grande fenda no barranco, mas seu interior  guarda preciosidades naturais.

Em suas entranhas encontra-se o maior lago subterrâneo já encontrado na América do Sul, o Lago dos Ecos, que tem trezentos metros de extensão, cinquenta metros de largura e profundidades entre dez e quinze metros.

O acesso à gruta deve ser guiado. Nós só demos uma olhada na entrada, tiramos algumas fotos e voltamos para a estrada. O resto da turma tinha seguido pedalando, mas não demoramos muito para alcançá-los.

Quando entramos na Fazenda Capão da Onça, Amanda e Alex seguiam cerca de trinta metros à minha frente. Quando eles passaram pelo portal da entrada, vi algo vermelho caindo sobre eles. De longe, parecia uma arara vermelha dando rasante, pois a coisa que caiu era comprida como as asas de uma arara e, ao bater no chão, pedaços saltaram. Pura ilusão de ótica. O que caiu sobre eles foram telhas de barro que estavam soltas sobre o portal. A vibração provocada pelas bicicletas ao passarem sobre o mataburro embaixo do portal precipitou as telhas sobre eles. Apenas Alex foi atingido, no braço e no guidão, trincando a película de vidro de seu celular que estava preso por um suporte. Que susto! Felizmente, ele não se machucou.

A região tem muitas onças, como revela o nome da fazenda e considerando a quantidade de cerrado preservado da região, mas a única onça que vimos foi uma de fibra de vidro, enjaulada perto da sede.

Seguindo em frente, cruzamos o Rio Pirapetinga por antiga ponte, bem reforçada.

Nesse ponto, o rio corre em leito pedregoso, encachoeirado. Ao aproximarmo-nos ouvimos o som da água. Esse foi o ponto mais baixo da trilha: 693 metros em relação ao nível do mar.

Saindo do vale do Pirapetinga, logo chegamos ao local que dá nome à trilha. O nome é curioso, mas não encontrei nenhuma explicação para sua origem, nem mesmo perguntando aos moradores locais. O “Buriti” é fácil de imaginar, pois a palmeira buriti é planta comum no Centro-Oeste brasileiro e também há um córrego na área chamado Buriti. Mas o “Sardinha” é um mistério. É claro que não há sardinhas nos rios do Planalto Central. A origem mais provável deve estar relacionada ao sobrenome de algum proprietário ou morador da área nos primórdios da ocupação dessas terras. Entre os fundadores de Pirenópolis, outrora chamada Meia-Ponte; Luziânia, antiga Santa Luzia; e Corumbá de Goiás; arraiais mais próximos a este lugar no século XVIII, figuram alguns Sardinhas. Há também o Córrego Sardinha que passa próximo, mas a origem de seu nome também deve ser familiar. Carta topográfica do IBGE, de 1999, registra algumas casas na área, mas atualmente não há mais nada, nem sequer ruínas.

Seguimos bordeando a Serra do Forjado. Aos 29 quilômetros, tivemos que atravessar uma grande fazenda. É a parte mais tensa da trilha. Nessa fazenda, produz-se cereais e cria-se gado. As colheitadeiras de milho não são tão eficientes a ponto de não haver perdas. Pedaços de sabugo com milho ficam espalhados pelas áreas colhidas. Para aliviar um pouco esse desperdício, os proprietários da fazenda levam gado para essas áreas para que os animais comam o milho espalhado pelo chão. E foi isso que tivemos que enfrentar. Pela lavoura, cruzamos dois rebanhos. O primeiro enfrentamento foi fácil. O rebanho estava longe da estrada e pudemos passar sem os enfrentar diretamente, mas quando eles nos viram, correram até a estrada para ver do que se tratava. Boi é bicho curioso. Logo à frente, outro enfrentamento. Dessa vez, o rebanho era enorme. O gado ocupava a estrada, teríamos que tirá-los para conseguirmos passar. Pois quando chegávamos perto, vimos que alguns ciclistas vinham na direção contrária. O gado abriu passagem e veio correndo atrás deles. Virou uma confusão. Felizmente, ao nos avistarem, pararam de correr e deram-nos passagem, mas ficaram ali, há poucos metros da estrada, formando um corredor animal, observando-nos, e quando passamos nos seguiram até a próxima porteira.

Saímos sãos e salvos. Esta fazenda está numa área chamada Buracão.

Depois dessa tal porteira, entramos numa estradinha bem interessante. Ela está confinada entre duas cercas e segue subindo, passando por grotas e morros.

Conforme sobe, vai revelando belas paisagens ao norte: grandes áreas nativas, morros isolados, lagoas.

No final da estradinha, num local alto, paramos para a turma agrupar, para contemplar a vista e lanchar.

Dali, descemos pelo meio de uma bela área de mata, por caminho erodido, com cascalho e alguns degraus, até sair da mata e passar por uma casinha na beira de um afluente do Córrego Sardinha, que nasce nessa área. Aproveitei para pedir água na casa. Dona Maria, a moradora, recebeu-nos muito bem e deu-nos água geladinha. Perguntei se ela sabia de onde vinha o nome “Buriti da Sardinha”, mas ela não soube responder.

Teiú ou tiú

Seguimos viagem cruzando o tal afluente do Sardinha. Um teiú saiu correndo na nossa frente quando passamos por lá. É aí que começa a pior subida da trilha. É subida pesada de 1,3 quilômetro, mas com inclinação média de 10% e máxima de 18%. Prepare suas pernas e sua persistência para não empurrar a bike na ladeira.

Depois de girar um pouco pelo alto, descemos novamente, até a região de Santa Rosa, onde fica a Pireneus Vinhos e Vinhedos, vinícola que produz vinhas premiados. Que tal uma paradinha rápida para provar o Intrépido?

Nós não paramos. Quem sabe na próxima vez.

Deveríamos ter bebido algo, porque depois da vinícola tem outra ladeira difícil. Minha pilha começou a ficar fraca aí nesse ponto. Tive que tomar um gel.

Aos 45 quilômetros chegamos à BR-070, bem em frente à Lagoa do Samuel, lugar muito bonito, com área de lazer e camping.

Lagoa do Samuel (foto de Guilherme Veiga)

A esta altura da trilha, a turma havia se dividido. Rodrigo e Luciana estavam na dianteira; Anderson, Andrés e eu chegamos juntos à rodovia; Alex e Amanda vinham não muito atrás; Cristina e Chicão eu não via desde o Buracão.

Segui com Andrés e Anderson por 2,5 quilômetros pela rodovia e entramos à direita. Logo cruzamos o Córrego da Lagoa e pouco depois o Rio Areias. Numa das curvas dessa estrada, quando passávamos pela frente de um bar, ouvimos alguém nos chamando. Eram Luciana e Rodrigo. Eles conseguiram comprar uma coca-cola, mesmo com o bar fechado, e também conseguiram uma grande jarra d’água para abastecer nossos camelbaks. Aproveitei a parada para comer uma latinha de atum.

Saímos todos juntos, mas logo nos separamos. Segui com Rodrigo na frente. O Oásis nos esperava. A subida é cansativa. Depois de passar pelo Córrego do Falcão, a estrada passa por trechos de areia, degraus, erosões, sempre subindo.

Do Falcão até o alto da Serra do Quilombo são 2,5 quilômetros sofridos. Mas o esforço é compensado pela maravilha do Oásis.

Passamos pelo ponto mais alto da trilha aí, na Serra do Quilombo, aos 1.203 metros de altitude. Desde o ponto mais baixo, no Rio Pirapetinga, foram aproximadamente quarenta quilômetros de subida. Não é à toa que chegamos ao Oásis tão cansados. Felizmente, um mergulho naquela água gelada revigora o físico. Nessa época do ano a água é bem fria, mas crioterapia é uma ótima técnica para recuperação muscular. Caí na água!

As meninas demoraram. Tanto que pensamos que elas haviam perdido a entrada do Oásis e seguido a trilha. Quando já estávamos prontos para partir, elas chegaram.

Depois do banho congelante, voltamos à atividade seguindo rumo à “4×4”, subida famosa entre os ciclistas da região. Nós não a subimos, pelo contrário, descemos. É descida técnica, precisa de atenção. Cuidado!

Do Oásis até a pequena comunidade Morrinhos, também conhecida como Mamoneira, são apenas cinco quilômetros. Paramos para tomar gatorade.

Igreja de Morrinhos (Fazenda Mamoneira)

Rodrigo e Andrés, que vinham logo atrás, não nos viram entrar na comunidade e seguiram viagem.

Eu imaginava que a partir dali, a trilha iria render mais, e a parte que eu me lembrava, de Morrinhos até a margem do Rio Areias, realmente rendeu. Só há uma subida nesse trecho e rapidamente se chega ao Areias, pedalando-se quase sempre na sombra de grandes áreas de cerrado preservado. Em vez de subirmos rumo a Edilândia, entramos à direita logo depois de cruzar a ponte. Seguimos no sentido do Recando dos Pássaros. Dali em diante, o caminho era desconhecido para mim, e teve muita subida. Minha bateria começou a ficar fraca novamente.

Acompanhamos o vale do Areias pelo alto por sete quilômetros, apreciando a vista que se descortina à direita, até chegar à comunidade Vale Verde. Ali descemos até cruzar o Córrego Contagem e alcançar a BR-070. Quando chegamos à BR, encontramos Rodrigo, Andrés e Chicão num bar à beira da estrada. Chicão deve ter passado por nós quando estávamos no Oásis ou em Morrinhos, por isso não o vimos.

Ainda faltavam dezessete quilômetros até Girassol. Eu pensei que seria fácil, mas não foi, é praticamente só subida. A estrada passa por vários sítios e chácaras.

Chegamos a Girassol às 16 horas. Foram 99 quilômetros percorridos com 1.807 metros de subida.

Girassol visto da estrada por onde voltamos

2 comentários sobre “Buriti da Sardinha

  1. Caramba, cansei só em ler…rsrs, mas realmente, a vista é deslumbrante! Mais uma vez um show de imagens. Parabéns!

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